
Uma imagem icónica denuncia directamente uma representação estruturada pela majestade hierática. Será icónica para o que é domínio do simbólico, como hierática para símbolo de poder, de sagrado. Simbólica porque denuncia o contexto da personalidade nela inscrita e poderosa porque anuncia a sua influência por quem se deixa enlevar. Não só para quem deixa, como para quem não se liga; imagens assim não são catalisadoras de indiferença, muito pelo contrário. São cenários. Tanto para quem percebe do que ali se conta, naqueles traços, nas roupas, no penteado, esse retrato de época que choca pela presença, como para quem também conheceu a voz, a influência e a personalidade.
Imagens que são Fado, que são Símbolo, que são esse gozo espelhado no olhar, são imagens assim. Puras, estreitas, contidas, mas em estado de ebulição. Imagens de quem personifica e actua sobre a história: uma actriz fiel, uma mundana jocosa, uma fabricante de ilusões, uma dominadora do sensível e assoberbada pelo espírito (espirituosa!). Tantas foram, estas e outras, as qualificações latentes que vislumbrei neste irrecusável convite à interpretação.
Porque quando a fotografia deixa esse sentido do presente, atingindo um patamar do significante, aparente (ou Aparição), possui essa magia para deixar de ser retrato ou situação, para passar a significar, a deslocar o estatuto. Se este fenómeno acontece com a larga maioria destes obturadores do quotidiano, esta foi a imagem que me trouxe outras viagens e outros sentidos. Para mim, uma imagem icónica do Fado, na figura de quem, sabemos nós, despertou paixões para durar uma vida inteira. Aparentemente retrato de silêncio, ensimesmado, quase autista, transformou-se nessa catarse do sentido e manutenção do sagrado que dura até aos dias de hoje, não para todos, infelizmente. Esta é culto e classe.