sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Boas Festas!

O Soldado do Fado deseja Boas Festas aos seus leitores...



... e um próspero ano de 2011, mesmo com a crise. Valha-nos o Fado :)

domingo, 7 de novembro de 2010

Tristão da Silva (1927-1978)

Tenho andado a ouvir alguns fados e canções interpretados por Tristão da Silva. Apesar do meu ouvido pender notoriamente para vozes femininas, tenho vindo a compreender as delícias do masculino no Fado, bem associadas à força e romantismo. No caso deste fadista ou cançonetista em especial, existe uma centralidade romântica, que o coloca ao nível de um dos melhores cantores portugueses, pelo seu timbre quente, voz extremamente bem colocada (um ouvido treinado apercebe-se quando o fenómeno ocorre) e emoção no cantar, contido mas suficientemente liberto por uma irrepreensível dicção.

Manuel Augusto Martins Tristão da Silva, alfacinha de gema, nasceu na freguesia da Penha de França. Em 1937, com 10 anos de idade, foi convidado pelo empresário José Miguel, para cantar no Café Mondego. Era conhecido como o “miúdo do Alto do Pina”, assim como aconteceu com outros fadistas da época, devido ao popular concurso de fados. Para além das cantigas, enveredou pela profissão de marçano e depois marceneiro.

Ao longo da sua carreira como fadista, orientou o seu repertório em torno do fado-canção, acompanhado por orquestra e não pelas tradicionais guitarras. O exemplo que aqui coloco corresponde a uma das várias excepções à vertente orquestrada, que igualmente aprecio.

Sucederam-se as tentativas goradas para admissão à Emissora Nacional. Após o tremendo sucesso que foram os êxitos “Nem às Paredes Confesso” e “Maria Morena”, as provas de admissão abriram portas ao mundo da rádio, pautando assim a notável projecção da sua carreira musical. Foi o segundo artista português a actuar num programa da RTP. À semelhança dos fadistas coevos actuou fora de Portugal, em países como Espanha, Argentina, Uruguai, Peru. Chegou a radicar-se no Brasil, onde abriu um restaurante típico (tradicional português).

Em 1964 regressou a Portugal e retomou as suas actuações nos templos do Fado. Integrou o elenco da revista "Férias em Lisboa"; segundo consta era um exímio executante de bilhar, sofria de gaguez, mas quem canta assim…

Faleceu prematuramente num acidente de automóvel, em 1978. Será para sempre recordado como um dos fadistas de pendor romântico que Lisboa conheceu e abraçou.

A escolha do fado para recordar Tristão da Silva não foi fácil, mas como este Soldado não é um concurso de hits, futuramente colocarei outros. Desde já deixo-vos com “Lisboa é Sempre Lisboa”, um lindo fado sobre a nossa cidade e que se distingue da restante oferta online, que necessita de variedade, para este e para outros fadistas.



Tristão da Silva canta Lisboa é sempre Lisboa (Artur Ribeiro / Nóbrega e Sousa)




Lisboa tem o ar feliz de uma varina
E o vai e vem de uma canção em cada esquina
Pelos mercados fresca e gaiata
Faz zaragata, perde a tonta cabecita
Aqui e ali namora e ri e sem vaidade
Veste de chita, canta o Fado e tem saudade

Lisboa é sempre Lisboa
Dos becos e das vielas
E das casinhas singelas
D’Alfama e da Madragoa
Dos namorados nas janelas
Das marchas que o Povo entoa
Da velha Sé, das procissões
E da Fé, com seu pregões
Lisboa é sempre Lisboa

Pela Manhã vai trabalhar toda garrida
De tarde ao chá Lisboa ri cheia de vida
Mas à noitinha olhos rasgados
Semicerrados na oração mais bizarra
Lisboa então só coração d’alma elevada
Presa à guitarra canta até de madrugada

Lisboa é sempre Lisboa
Dos becos e das vielas
E das casinhas singelas
D’Alfama e da Madragoa
Dos namorados nas janelas
Das marchas que o Povo entoa
Da velha Sé, das procissões
E da Fé, com seu pregões
Lisboa é sempre Lisboa


Fontes online:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Trist%C3%A3o_da_Silva
http://elfado.x-centrico.com/?cat=24
http://lisboanoguiness.blogs.sapo.pt/57691.html
http://ofadodelisboa.blogspot.com/2007/02/o-mido-do-alto-do-pina.html
http://www.portaldofado.net/content/view/1461/277/
http://fonoteca.cm-lisboa.pt/cgi-bin/info3.pl?409&CD&0

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Blogue Histórias Giras do Fado por Vital d'Assunção



Histórias Giras do Fado

São giras, realmente, dispõem bem, e a última é sobre a nossa grande Berta.
Andei eu a cogitar com a minha comadre sobre o papel atribuído à Berta no musical do La Feria (ela nem quis falar-me no assunto...) e deparo-me com este texto. Não imediatamente, mas quase... continuam os fados a cair-me no colo. Eu não sei o que pensam, mas para quem não conheceu a referida fadista, fica-se com muito má impressão... No entanto, a personagem pareceu-me mais uma caricatura ou, por assim dizer, um comic relief, do que um retrato verosímil da senhora. Vá, não estou a desculpar ninguém, mas para mim o que continua a importar é a música e não o espectáculo. Espectacular é vê-lo "dobrado" enquanto "dou brado"... a rir.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

FADO: Dos eruditos populares aos eruditos cultivados

Aqui deixo a transcrição da interessantíssima querela entre estes dois senhores, as suas perspectivas face ao trabalho de investigação, tendências, metodologias, etc. Como ainda não li os três principais livros, para aos quais os textos nos remetem, remeto-me eu a um respeitável silêncio. Não deixo de notar que temos aqui pano para mangas, calças, cuecas, peúgas, resumindo-se todavia (quase) tudo a uma questão (ou várias) de teoria da história e metodologia do trabalho de investigação. Mais do que o conteúdo visa-se a forma, não deixando este de sair prejudicado quando esta lhe falha. Deixo à vossa apreciação, ou seja, à recepção destas ideias, que também engrandecem a(s) obra(s).






Rui Vieira Nery: Fado Maior e Menor
20:06 Segunda feira, 2 de Ago de 2010

«No ano em que é apresentada à UNESCO a candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade não é de espantar que a tradicional escassez da bibliografia sobre o género vá sendo contrariada pela publicação de um número cada vez mais significativo de novas obras sobre esta temática. Foram-se, de facto, sucedendo, ao longo da última década, lançamentos editoriais relevantes, desde os catálogos das sucessivas exposições do Museu do Fado, da responsabilidade de Sara Pereira, às séries de livros e CDs da Corda Seca/Tugaland (incluindo o meu próprio trabalho Para uma História do Fado, de 2004), às numerosas publicações associadas aos dez anos da morte de Amália Rodrigues (o catálogo da exposição Amália: Coração Independente no Centro Cultural de Belém, e a antologia discográfica Amália Nossa, entre outras) e mais recentemente ao marco monumental da Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, coordenada por Salwa Castelo Branco, e ao ambicioso programa editorial previsto na própria candidatura.

Multiplicam-se, assim, os investigadores que nos campos da Musicologia Histórica, da Etnomusicologia, dos Estudos Culturais ou da Antropologia se vêm dedicando ao estudo das práticas e da história do Fado, legitimando de uma vez por todas a incorporação desta temática no foro universitário das Ciências Sociais e Humanas e cruzando na sua abordagem diversas competências científicas especializadas, que vão formando pouco a pouco uma rede mais apertada de saberes interdisciplinares. Muitos deles, significativamente, são jovens pesquisadores a prepararem mestrados e doutoramentos ou já em início de carreira (Rui Cidra, Pedro Félix, Ana Gonçalves, Kimberly Holton, Paulo Lima, Leonor Lousa, Sara Pereira, João Silva, António Tilly, e outros mais), constituindo uma massa crítica que augura o melhor futuro para este novo campo de estudos.

Este trabalho desenvolvido no foro académico tem sido, por outro lado, acompanhado de uma importante produção ensaística da responsabilidade de eruditos que emergem do próprio terreno do Fado, muitos deles demonstrando um enorme conhecimento vivencial direto das práticas do género, do seu repertório, das suas convenções performativas e do percurso biográfico dos seus protagonistas mais relevantes. São disso exemplos destacados os trabalhos pioneiros, recheados de dados novos de pesquisa original, de José Manuel Osório, em particular nas colecções Fados de A a Z (Corda Seca) e Os Fados da Alvorada (Movieplay) e o esforço constante de divulgação inteligente desenvolvido ao longo dos anos por José Pracana, ou até, apesar de alguns aspetos metodológicos mais frágeis, os levantamentos de informação sérios e muito úteis propostos por Vítor Duarte sobre a vida e obra do seu avô, Alfredo Marceneiro, ou por António Manuel de Moraes sobre as ligações históricas entre o Fado e a Tauromaquia. Um dos aspetos mais positivos da candidatura à UNESCO agora em curso é precisamente a preocupação de assegurar este cruzamento permanente de saberes e olhares complementares sobre o Fado, juntando ao rigor e à consistência das abordagens das várias disciplinas universitárias o contributo inestimável e cheio de sabedoria destes testemunhos do terreno. Parafraseando - com toda a distanciação ideológica, já se vê - o velho aforismo salazarista - todos não somos demais para o estudo e o conhecimento alargado do Fado.


UM GRANDE TESTEMUNHO

É neste último contexto que se enquadra o recente livro de Daniel Gouveia, Ao Fado Tudo se Canta?. O autor, com uma longa carreira na edição literária, teve simultaneamente nas últimas quatro décadas uma presença significativa no circuito fadista como intérprete, compositor, poeta e ensaísta. Conheceu, neste período, todos os grandes nomes do Fado, ouviu de uma ponta a outra o repertório do género, recolheu e registou toda a pequena história interna da comunidade fadista, acompanhou a abertura e o fecho de cada casa de Fado e a evolução do respetivo elenco, assistiu ou teve acesso indireto a acontecimentos históricos marcantes e a polémicas, amizades e desavenças (e até - o que não é irrelevante para a matéria em causa - a amores e desamores) e compilou com paixão um acervo vastíssimo de dados inéditos em publicações periódicas, programas, cartazes e folhetos. É precisamente este conhecimento alargado e amadurecido que agora nos oferece no seu livro.

Quem o conhece sabe que Daniel Gouveia é um conversador nato, cheio de histórias que se vão encadeando por associação livre, sempre com aquele brilho nos olhos de quem fala daquilo que ama, e a sua escrita reflete precisamente essa faceta de interlocutor entusiasmado que nos convida para uma tertúlia informal sobre o seu objeto de paixão. Ao Fado Tudo se Canta? é por isso mesmo uma espécie de grande testemunho, vivido por dentro, de um percurso pessoal pelo universo do Fado tal como este se foi configurando não só no tempo de vida adulta do autor como no das duas gerações anteriores com as quais conviveu. E essa postura de observador, que faz parte do objeto observado e assume sem rodeios a intersecção destes dois estatutos, permite-lhe adotar com frequência um tom normativo que traduz sem rodeios as convenções internas do circuito de que dá testemunho e de que ele próprio é agente direto. Um investigador académico, mesmo nestes tempos de triunfo ostensivo do subjetivismo pós-moderno, não poderia ter a ousadia de definir assim regras de boas práticas (ou, como o autor declara de forma inequívoca, de "bom gosto") para o género que está a descrever. Mas esse caráter interno ("émico", diriam os antropólogos) da sua perspetiva faz com que Gouveia tenha toda a legitimidade para o fazer, como um depoimento que vem de dentro do mainstream do género relativamente às regras do jogo que em sua opinião devem regê-lo.

Nas questões de natureza histórica mais remota, como a das origens do género, Gouveia é discreto e cuidadoso, procurando sintetizar com objetividade as várias leituras presentes na historiografia e no ensaísmo do Fado ao longo do século XX, definindo-as com inteligência e comentando-as com bom senso e por vezes com uma pitada de humor, que é uma das características que mais agradável tornam a leitura da obra. Nas matérias de incidência mais recente, em que naturalmente se sente mais seguro, raciocina com clareza e lucidez, mesmo abordando tópicos de algum melindre como o da fixação das autorias polémicas de alguns pilares do repertório corrente (veja-se, por todas, a sua discussão exemplar da autoria do Fado Menor com Versículo), e sem receio de assumir posições pessoais firmes nos debates de fundo em curso. Em resumo, Ao Fado Tudo se Canta? é claramente um dos grandes marcos da bibliografia recente sobre o Fado, e um exemplo perfeito do enorme mérito próprio insubstituível que pode ter o trabalho de um investigador amador - no duplo entendimento de alguém que está de fora do discurso científico académico mas sabe encontrar um registo epistemológico alternativo com normas próprias de rigor e de alguém que ama profundamente o seu tema de estudo.


AUSÊNCIA DE PERSPETIVA CRÍTICA

O mesmo não se pode dizer do volumoso trabalho de José Alberto Sardinha, A Origem do Fado (assim, perentoriamente, no singular), que não obedece nem aos requisitos científicos mínimos da produção académica em qualquer dos ramos das Ciências Sociais e Humanas que se debruçam sobre esta matéria, nem aos critérios de legitimidade própria que pode ter a abordagem "interna" dos eruditos do terreno, ficando numa terra de ninguém que não é, afinal de contas, nem uma coisa nem a outra e tende assim a acumular alguns dos piores defeitos de cada uma delas sem conseguir ter, em contrapartida, as virtudes de nenhuma.

José Alberto Sardinha é jurista de formação e profissão, mas consagra desde há longos anos os seus tempos livres à recolha etnográfica de músicas tradicionais um pouco por todo o País, tendo assim acumulado nas últimas três décadas algumas centenas de horas de registos, gravados quer por si próprio quer pelo extinto grupo de recolhas Almanaque, de cujo espólio é detentor legal. Não podem ser postas em causa a dedicação e a persistência admiráveis deste trabalho, que, no entanto, foi sempre marcado pela debilidade das suas bases teóricas, consistindo desde o primeiro momento numa etnografia empírica descontextualizada, onde os dados do terreno se acumulam, por assim dizer, no "estado puro", sem interpretação, sem leituras críticas, sem cruzamentos, sem hierarquias internas. E é assim que ao debruçar-se agora sobre o Fado o contributo de Sardinha consiste, essencialmente, numa enorme coleção de gravações de campo (algumas, diga-se de passagem, lindíssimas) efetuadas à escala nacional, do Minho ao Algarve e às Ilhas, ao longo do último quarto do século XX - pelo menos metade das quais, por sinal, não são sequer de fados mas representam antes uma espécie de pot pourri sortido de músicas tradicionais diversas, na maior parte dos casos exemplos do Romance, mas saltando também do Malhão ao Corridinho, da Chula à Rusga e por aí fora.

Este levantamento poderia ser, em si mesmo, um contributo muito útil, desde que lido numa perspetiva crítica e problematizante, ausente por completo da obra, procurando enquadrar as práticas assim documentadas no contexto mais geral da História da Cultura Popular portuguesa do século XX e em particular nos seus processos internos de mudança, entre as suas raízes históricas mais remotas e a construção gradual de uma modernidade a que o mundo rural de modo nenhum escapou imune. Mas Sardinha parte, pelo contrário, de uma conceção de Música Tradicional herdada do folclorismo romântico oitocentista, que vê nas tradições musicais não um conjunto de práticas dinâmicas em permanente transformação e interação (a "reinvenção da tradição" de que falava Hobsbawm), mas objetos imutáveis, aparentemente nascidos por geração espontânea e perpetuados depois ao longo dos séculos por simples transmissão mimética, geração após geração, século após século. Tendo assim reunido no quarto de século final do século XX um volumoso corpus de depoimentos que considera atestar a prática do Fado por largas dezenas de velhinhos de Norte a Sul do País, Sardinha automaticamente conclui daí que esse fenómeno contemporâneo generalizado se deve considerar, à partida, como uma evidência de uma prática contínua e imutável, suscetível de ser projetada retroativamente ao longo dos séculos e remontando, se possível, à própria fundação da nacionalidade ou pelo menos ao romanceiro medieval. O Fado seria deste modo - como de resto, para o autor, todos os demais géneros musicais tradicionais - um fenómeno supra-histórico, sem princípio, nem meio, nem fim, desprovido de realidade histórica concreta, pairando sobre o conjunto da Cultura Popular portuguesa como uma espécie de determinante genética inerte, indivisa e intemporal. Sardinha propõe que nesse ADN fadista ideal terão convergido - não se sabe se em algum momento determinado, numa espécie de big bang inicial, ou se de forma mais gradual ao longo dos séculos - as várias tradições musicais rurais de todo o País (o que poderá explicar a dispersão dos exemplos gravados em anexo), e propõe até um intermediário histórico preferencial para essa partilha supostamente multissecular, os cantores cegos itinerantes, que assegurariam nas suas digressões essa comunhão musical permanente à escala nacional. Esta última tese é, evidentemente, de um simplismo ingénuo, porque atribui a um grupo social restrito, sem uma identidade cultural específica e sem relevo quantitativo minimamente determinante, um protagonismo de mediação que nunca poderia ter assegurado por si só num processo de semelhante dimensão e de âmbito geográfico tão amplo. Mas sobretudo contraria toda a informação histórica documentada sobre as práticas musicais tradicionais no País, que regista a prática do Fado até finais do século XIX apenas na região da Grande Lisboa, no polo estudantil de Coimbra e nas disseminações esporádicas que a partir deste último se foram verificando na segunda metade do século, sobretudo em zonas urbanas da faixa litoral (veja-se, por todos, Ernesto Vieira, no seu Dicionário Musical, de 1890).


UM MODELO IMAGINÁRIO

Refira-se, de resto, que os exemplos efetivos de Fado que Sardinha, apesar da mistura de géneros já mencionada, recolhe na sua antologia de gravações são Corridos, Mourarias e Menores de uso corrente no repertório fadista do século XX, acrescidos, ironicamente, de vários fados escritos já nas décadas de 1930 a 50 por compositores bem identificados, que por simples desconhecimento do repertório fadista lisboeta o autor não soube reconhecer. Só para dar alguns exemplos: "A Rosinha Cantadeira" (recolhida em Vinhais, em 1996) é um dos grandes êxitos de Amália Rodrigues, a "Carmencita" de Pedro Rodrigues e Frederico de Brito; a "Talha do Fazendeiro" (Sertã, 1989) é o "Fado Latino" de Jaime Santos; a "Quadra do Amante da Mãe" (Guarda, 1990) é a "Marcha" de Manuel Maria Rodrigues; a "Cantiga do Saltimbanco" (Proença-a-Nova, 1989) é o "Fado Bailarico" de Alfredo Marceneiro; e até o "Romance de D. Melindro" (Monchique, 1981) é a primeira secção do "Fado Menor do Porto", de Joaquim José Cavalheiro Jr. - nada mais nada menos do que o celebérrimo "Não é desgraça ser pobre" de Amália. Sobre o testemunho supostamente multissecular do repertório assim recolhido estamos conversados.

Se Sardinha propõe este modelo imaginário de difusão histórica do Fado no conjunto do território continental português, em nome de uma conceção romântica implícita de Volksgeist nacional que não passa de um pressuposto ideológico oitocentista e que ignora a pluralidade e a diversidade dos contextos e dinâmicas culturais locais, faz questão de rejeitar a todo o custo, por outro lado, igualmente com base num mero preconceito ideológico, qualquer ligação à única manifestação do Fado antes de 1830 que se encontra inequivocamente descrita no espaço lusófono, a do Fado afro-brasileiro amplamente referido pelas fontes das primeiras décadas do século XIX. E para argumentar de forma mais eficaz, isola antes de mais cada uma dessas fontes do respetivo contexto, fragmentando a sua leitura de cada texto em observações pontuais irrelevantes que ofuscam a dimensão global de cada testemunho e a respetiva inserção num quadro de conjunto com as demais descrições congéneres. Ao mesmo tempo, lê de uma forma extremamente imprecisa toda a historiografia do Fado que refere e documenta essa ligação ao espaço afro-brasileiro, adulterando e misturando as posturas teóricas e as leituras, por vezes muito distintas entre si, dos vários autores assim agrupados. Atribui-lhes, por exemplo, a afirmação bizarra de que o Fado teria sido importado para o Brasil vindo do Congo, coisa que nenhum deles alguma vez afirmou, ou uma filiação direta do Fado no Lundum, ideia que a mim, por exemplo, nunca me passou pela cabeça e que o desafio a encontrar em qualquer passagem dos meus trabalhos sobre o assunto.

Em primeiro lugar, Sardinha ignora o contexto mais geral da profunda interpenetração que ao longo dos séculos XVII e XVIII se verifica em todos os aspetos da vida cultural, quer erudita quer popular, do espaço ibero-americano no seu todo. Desconhece que já nos vilancicos religiosos de autores seiscentistas portugueses e espanhóis que nunca saíram da Península encontramos ritmos, melodias e usos linguísticos de matriz inequivocamente africana (designados de forma explícita como "Negros" ou "Guinéus"), absorvida não tanto em primeira mão no próprio continente africano mas já no âmbito da interação cultural daquela com os modelos europeus ocorrida quer nas Metrópoles peninsulares quer na América Latina. Esquece a influência profunda dos poetas brasileiros ou radicados no Brasil, como Gonzaga, Cruz e Silva ou Caldas Barbosa, no conjunto da Literatura portuguesa setecentista, e omite a presença amplamente documentada em Lisboa de múltiplos géneros musicais de raiz afro-brasileira incontestada, desde meados do século XVIII, como a Fofa ou o próprio Lundum. E por tudo isso não percebe que neste contexto de práticas culturais partilhadas e entrecruzadas no contexto luso-afro-brasileiro essa chegada do Fado à Metrópole nas décadas de 1820 e 30 faz todo o sentido. Não compreender esta dinâmica transcultural de um relevo histórico fundamental não é, como Sardinha sugere, evitar um"multiculturalismo chique", é cair num monoculturalismo simplório.

Sardinha centra o essencial da sua contestação à ligação do Fado de Lisboa às práticas afro-brasileiras no isolamento artificial de cada uma das vertentes por mim apontadas como indicadores desta filiação (entre outras a carga sensual predominante, a estrutura melódica improvisatória assente em padrões harmónicos repetitivos e o uso predominante dos ritmos sincopados) e na tentativa de as rebater uma a uma, separadamente: músicas sensuais há muitas, improvisos melódicos sobre alternâncias simples de tónica e dominante também e ritmos sincopados ainda mais.

O argumento é, claro está, inteiramente falacioso em termos epistemológicos, porque não se podem discutir isoladamente as componentes de um modelo interpretativo como se fossem categorias autónomas e absolutas. É pela sua conjugação e pela sua presença simultânea no objeto em estudo que elas adquirem força demonstrativa coerente.

No que respeita à questão essencial do uso sistemático dos ritmos sincopados no repertório fadista, desde as suas primeiras fontes escritas, Sardinha começa, de resto, por fazer uma confusão primária em torno da própria noção de síncopa, misturando o conceito medieval e renascentista de síncopa como processo da notação mensural para permitir o registo de estruturas polimétricas na escrita polifónica com a prática posterior do retardo da acentuação métrica numa linha melódica, a contrariar as acentuações-padrão de uma pulsação rítmica regular. E depois ignora a evidência que a esse respeito apresentam as inúmeras partituras de Fado do século XIX e o próprio repertório oral posterior e subavalia apressadamente a constatação já feita nesse sentido, com o conhecimento ímpar das tradições musicais da cultura urbana lisboeta que lhe era próprio, por um Frederico de Freitas, por exemplo.


EXPANSÃO DA BIBLIOGRAFIA

O argumento de que seria impossível a uma dança converter-se numa canção é, claro está, igualmente improcedente, porque o Fado é desde as suas primeiras descrições documentadas identificado sempre como uma canção, dançada ou não, e porque até muito tarde no século XIX são inúmeras as referências ao "bater" do Fado lisboeta (vejam-se, mais uma vez por todas, as descrições e Camilo no Eusébio Macário e a célebre caricatura de Bordalo Pinheiro que representa Fontes Pereira de Melo e Mariano de Carvalho em pleno "Fado batido" numa taberna, de braços erguidos e ancas a gingar).

Num contexto florescente de expansão da bibliografia de referência sobre o género, Ao Fado tudo se Canta ? de Daniel Gouveia constitui um contributo precioso de um investigador exterior ao meio académico mas de mérito inequívoco - é aquilo a que metaforicamente poderíamos chamar um "fado maior". A Origem do Fado de José Alberto Sardinha, com a sua marginalidade em relação aos princípios metodológicos, teóricos e epistemológicos elementares da investigação contemporânea em Ciências Sociais e Humanas, a sua confusão permanente entre fontes primárias, bibliografia secundária e recolhas de campo, o caos do seu ziguezague constante entre contextos cronológicos e geográficos desconexos, e o seu desconhecimento evidente da produção científica de referência das últimas décadas sobre a História da Cultura portuguesa na transição do Antigo Regime para a Época Contemporânea, representa, pelo contrário, um grave retrocesso neste contexto. Trata-se, de facto, de um fado francamente menor.»






José Alberto Sardinha: Triste Fado
19:46 Terça feira, 10 de Ago de 2010

«Sob o título Fado maior e menor, Rui Vieira Nery fez publicar no JL não uma crítica, mas um virulento e descomposto ataque à minha pessoa, à minha idoneidade, à minha obra de investigação da música de tradição oral e particularmente ao meu último livro A Origem do Fado. Depois de elogiar todas as obras que se têm debruçado sobre o Fado, diz, em suma, que a minha é a única - a única - imprestável. Não admira: o meu livro é o primeiro a desmontar e reduzir a um cisco a sua mirabolante teoria da origem afro-brasileira do Fado. Tal como Espinoza, esforço-me por não rir nem chorar dos atos humanos, nem odiá-los, mas simplesmente compreendê-los. E a explicação do destempero está à vista: os bonzos da cultura dominante não aceitam desvios ao dogma, nem admitem estranhos ao couto, que pensem pela própria cabeça, critiquem e incomodem.

A mais interessante constatação a retirar do texto de Nery é que admite a improcedência, quando vistos isoladamente, dos três alicerces em que baseia a sua teoria da origem afro-brasileira do Fado (sensualidade da dança, melodias improvisatórias sobre estruturas harmónicas repetitivas e ritmos sincopados). Só que - adianta - esses três elementos devem ser perspetivados em conjunto e uma vez reunidos no mesmo fenómeno nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, passam a ser inteiramente corretos. Ou seja, segundo Nery, a Epistemologia consegue transformar em válidos três argumentos inválidos, desde que estes se conjuguem. Eu, que sou um simplório e um ingénuo, confesso não atingir tão altas esferas de raciocínio. Por este andar, as Ciências Sociais transmutar-se-ão em assunto de fé. Acredite, pois, quem quiser...

Em verdadeiro estado de desorientação pela esmagadora prova que carreei no meu livro em refutação da sua tese, Nery nada mais faz do que recorrer à violência verbal na proporção inversa da razão que lhe (não) assiste. E é assim que afirma que eu me situo fora dos requisitos mínimos da produção académica, que não tenho bases teóricas, que pratico "uma etnografia empírica descontextualizada, sem perspetivas críticas e problematizantes". Ou seja, que não pertenço ao grémio. Pois não - e ainda bem! Não teorizo sobre coisas que desconheço, nem cultivo o género da "temática da problemática da super-estrutura do registo epistemológico", nem faço enquadramentos balofos sobre a "criação de sinergias dinâmicas e progressivas", ou sobre "contextos sócio-culturais da modernidade no espaço e no tempo".

Assim sendo, só tenho de estar feliz por não integrar o rebanho do pensamento único, nem a confraria do elogio mútuo. Sou um investigador livre e independente em toda a aceção. Não pertenço a capelinhas, nem tenho de trilhar o caminho dos "mestres" ou repetir-lhes as asneiras com medo de deixar de ter os "requisitos científicos mínimos", aqui sinónimo de carreira académica.

Voltando ao texto em análise, verifica-se que Nery não leu, verdadeiramente não leu, o livro que pretendeu criticar. Quando muito, leu algumas passagens, o que porém lhe não chegou para compreender o cerne do que eu escrevi.

Só assim se explica que não tenha entendido a razão por que incluí nos discos exemplares de chula, malhão, corridinho, rusga e outras danças populares (trata-se de uma comparação, e não uma identidade, com o corrido, como está perfeitamente explicado ao longo do livro, particularmente no capítulo 9, onde analiso e descrevo cada uma das faixas dos discos). Daí também que afirme que eu defendo que a origem do Fado se situa na mistura de muitos géneros musicais rurais, um absurdo que nunca me passou pela cabeça e que o desafio a situar no meu livro (só por esta afirmação se vê que Nery não percebeu nada do que eu escrevi, nem qual é, na minha opinião, a origem do Fado). Daí ainda que se surpreenda pelo facto de os discos conterem essencialmente romances tradicionais (pois claro: é aí que eu situo a génese do Fado, como lá está sobejamente explicado). Daí, por fim, que exulte com a descoberta, entre esses cerca de 40 romances, de cinco melodias de fados registados (sem falar dos que eu próprio assinalei), o que significa que não leu o capítulo intitulado "Problemas de autoria". Também não leu o capítulo 2 do livro, onde rejeito a teoria romântica da Volksgeist, de que tão acintosamente me diz seguidor - v. também, a este respeito, a parte final do Capítulo 3, bem como os pontos seis e 16 do capítulo 13. Quando falamos do que não lemos, nem a Epistemologia nos salva.

Rui Vieira Nery remete-me para as notícias escritas de fado brasileiro antes de 1830. É surpreendente que o faça, pois contradiz-se a si próprio: em primeiro lugar, a p.50 do seu livro Para uma História do Fado, afirma que mesmo que surjam notícias portuguesas anteriores a essas, as outras provas (rectius os três referidos argumentos) são tão fortes que dificilmente os dados da questão poderão vir a ser alterados, dando assim mais importância a tais argumentos do que às ditas fontes; em segundo, porque num texto intitulado Entre mitos e enigmas, que publicou na revista do jornal Expresso, Nery explica assim a dificuldade do estudo do Fado: "(...) Como qualquer género de música tradicional, surgiu num contexto eminentemente popular e, por isso, constituiu-se, evoluiu e transmitiu-se, durante muito tempo quase exclusivamente por via oral, longe de qualquer registo escrito que nos permita hoje identificar e descrever com alguma precisão as sucessivas fases, pelo menos as mais remotas, da sua génese". Depois disto, ainda tem o arrojo de contraditar a minha teoria com as sacrossantas notícias escritas...

Dois pontos finais: o primeiro para dizer que em nenhum lado assaquei à tese brasileira a origem congolesa do Fado, depois transportado para o Brasil, nem atribuí a Nery a procedência do Fado diretamente do lundum (a sua posição está, aliás, desenvolvidamente exposta, com extensas citações da sua obra, o que confirma mais uma vez que não leu corretamente o que eu escrevi); a segunda para esclarecer que eu não sou o "detentor legal do espólio do Almanaque" por esta razão simples: esse grupo nunca teve nenhum espólio de gravações, na justa medida em que as recolhas eram por mim preparadas com viagens prévias, com contactos e escolha dos informantes e mais tarde gravadas num aparelho Nagra IV-S de minha propriedade, apenas nessa altura sendo acompanhado por alguns elementos do referido agrupamento. Tais recolhas são, por isso, naturalmente minha propriedade material e autoral, como está devidamente definido em documento legal. De resto, estranha-se esta referência sibilina, pois na verdade as expedições de recolha que realizei na época do Almanaque foram cinco ou seis, o que é ridículo se lembrarmos as largas centenas que já efetuei ao longo de 35 anos de pesquisas de campo por todo o país.

A grandiloquência do discurso de Nery esconde, muito simplesmente, a debilidade e a ligeireza da sua tese sobre as origens do Fado e continua a não explicar estas duas coisas elementares: como se justifica a transformação do fado-dança brasileiro (mesmo que cantado, como veio agora precisar) em fado-canção de Lisboa, verdadeiro milagre indecifrado, uma espécie de little bang em caldeirada cultural; e a origem da palavra "Fado" para designar o género poético-musical que nos ocupa, coisa que não explica nem jamais conseguirá explicar.

Verifica-se, em suma, que o conteúdo do meu livro está, no texto de Nery, frequentemente deturpado, outras vezes distorcido. O leitor minimamente atento chegará com facilidade a esta evidência e apreciará, sem peias nem preconceitos, o que aí deixei escrito, fruto das minhas investigações. Esta polémica não versa, por todo o exposto, fados maiores ou menores. Reflecte simplesmente o triste fado português de ter de aturar a pequenez e a pesporrência dos que se julgam donos do Saber em Portugal.

Anuncio desde já não vir a apresentar tréplica a uma eventual réplica de Rui Vieira Nery. As limitações do espaço jornalístico não permitem dissecar argumentos ponto por ponto, matéria que terá de ficar para outro texto. Além disso, onde me sobra a vontade, falece-me a paciência e o tempo, que me obriga a tratar de coisas mais importantes.»

domingo, 8 de agosto de 2010

Joaquim Silveirinha n'Os Fados da Alvorada



Nesta tarde de Domingo ("passado que passei", porque se calhar vai passar e este texto fica a marinar, como de costume), carregada pelas nuvens que não vertem, e que firmam uma melancolia pelo meu espírito e uma adorável enxaqueca que se instalou desde Sábado, decidi escrever mais um verbete, à laia de mezinha, porque mais uma paixão brotou. Desta vez foi por um senhor, Deus me valha, que já vou no segundo (ou será o quarto? - talvez 1/4 de tinto venha a calhar para resolver isto), Joaquim Silveirinha.
Tenho este dom das paixões impossíveis, no geral devido aos ditos cujos já terem falecido, porém, não é isso que desarma o meu coração para, platonicamente, encenar um casório ao ouvir esta voz, que me beija, na saúde e na doença, nas doenças de Domingo. É bom assim, à distância do tempo que nos separa, este namorico inteligente, porque não cansa e até enleva. Quase perfeito, não fosse a perfeição do amor noutros aspectos. O fado encena bem essa perfeição. Este senhor a cantar é um Amador apenas de nome. Tudo o resto faz vibrar desde a primeira nota.
Claro que a minha vizinha da frente já se antecipou há muito, tendo criado um vídeo com um fado de Joaquim Silveirinha, no seu blogue Fadocravo. Ei-lo, para os demais apreciarem novamente a raridade que é ouvir este fadista. Até fiquei a saber que ele cantou n'A Tipóia, e que esse retiro era de uma fadista que muito aprecio, Adelina Ramos (recentemente falecida, em 2008). Foi daquelas fadistas que tive de aprender a gostar, não agradou logo à primeira audição, mas tal foi-se modificando, ao ouvir o fado "Achei-te tanta diferença", interpretado no paradoxo entre o apuramento que surge da tonalidade popular e robusta da sua voz.
De Joaquim Silveirinha (1925-1975) sabe-se tão pouco como de outros fadistas, e no meio desta resignação, decorrente da falta de informação, retiro o que de mais sacro pode enriquecer as minhas audições. O que não se encontra documentado, imagino-o, e disponho essas figuras, outrora tão presentes, agora vultos quase esquecidos, que acompanho como tesouros sagrados, numa dimensão onde não perderam a sua aura.
Nem o Eduardo Sucena, no seu trabalho de referência "Lisboa, o Fado e os Fadistas", seleccionou uma sucinta apresentação biográfica de Silveirinha. No entanto, acredito que existam pessoas que saibam, que testemunhem e que tenham acesso a fontes que possam enriquecer o conhecimento que se tem (ou não) sobre este fadista. Ainda se comercializa uma edição em CD da colecção "Fados do Fado" a si dedicado na totalidade.
José Manuel Osório, na magnífica colecção composta por três volumes, Os Fados da Alvorada, dá a conhecer estes vultos, estas pérolas antigas perdidas no tempo, e agora recuperadas, ainda que apenas num fado (de cada um...), mas que apresentam uma base por onde se podem iniciar investigações e encetar novas paixões. Acompanhando estes volumes temos um livrinho com imagens, letras, informações biográficas e históricas que consolidam, de uma forma tão rara, o que muitos de nós (eu incluída) apenas ouvimos recorrendo ao escasso material sonoro.

Joaquim Amador Silveirinha vem assim registado a cantar "Sextilhas Soltas" no Fado Cravo de Marceneiro. Nascido na Madragoa, «estreou-se aos 18 anos, como amador, no Vendedores de Jornais Futebol Clube», mas cantou desde miúdo. Calhando, até seria costume na época uma pessoa saber um fadinho ou dois desde tenra idade. Na Madragoa, então, em plena década de 30, não devia trautear-se outra coisa :)
Obteve a sua carteira profissional no Concurso de Outono, organizado pelo jornal Canção do Sul, corria o ano de 1945. Foi a partir dessa altura que começou a cantar em diversos retiros como o Retiro dos Marialvas, Café Latino, Casablanca, sem nunca abandonar as suas ocupações profissionais, a principal como mecânico de construção naval. Joaquim Silveirinha uniu-se no fado a nomes como Natércia da Conceição (com a qual gravou um disco em conjunto), Fernando Farinha, Armandinho, Júlio Gomes, entre outros constituintes dessa irrecuperável nata fadista coeva.
Da entrevista para o jornal Guitarra de Portugal (15 ABR., 1947) podemos extrair que Silveirinha gostaria de cantar como os mestres João Maria dos Anjos, Marceneiro e Joaquim Campos. Joaquim Campos, claro está (um brinde de 1/4 de tinto para este senhor). Silveirinha era homem de fado castiço, ouvia cantar o moderno, mas aquele com o qual se identificava estava-lhe no sangue e naturalmente engastado na garganta. Confesso a minha ignorância nesta parte: em 1947 qual era o "fado moderno"? Diz que não tem letras de poetas consagrados no seu repertório: deve-o a Domingos Silva, José Almeida Rodrigues, Delfim Silva e António Augusto Ferreira. «Um artista não pode brilhar sem um bom repertório» mas já na altura os poetas recusavam-se a escrever por «falta de respeito pelos autores».
Admite gostar muito da imprensa de Fado, encontrando-se esta já sob a ameaça da precariedade, apresentando muitas dificuldades a nível financeiro. Não duvido que a dita sobrevivesse a correr por gosto. Hoje em dia, nem vê-la. De Canção Nacional já nem se fala; fala-se de Fado, mas pouco. Pode comparar-se esta realidade à das publicações dedicadas a determinados tipos de música mais em voga, que padecem de dificuldades similares.
Silveirinha alfacinha, amante de Fado, Touradas e Teatro de Revista, era do Benfica a 100% mas pendia-lhe a simpatia para o Sporting. Valha-nos isso:) Pensa que no Fado não há decadência, mas deveria haver «um pouco mais de brio». No fundo isto até nem mudou muito.

Em homenagem a este fadista, eis o fado que vos apresento da colecção Os Fados da Alvorada, Volume 2 (com escolha de repertório, textos e concepção de José Manuel Osório).



Joaquim Silveirinha canta Sextilhas Soltas (Delfim da Silva / Alfredo Rodrigo Duarte, o Marceneiro)
Ano de gravação 1959



A voz do fado é tão calma
Na sua terna expressão
De amor ciúme e desdita
Que põe delícias na alma
E deixa no coração
Uma tristeza infinita

Porta-voz de singeleza
O fado que eu canto e louvo
Sempre um amigo há-de ter
No coração da pobreza
Porque ninguém como o Povo
Sabe cantar e sofrer

O fado triste e amoroso
É saudade que se canta
É pranto que ganha voz
Por um condão misterioso
Sai a cantar da garganta
Mas chora dentro de nós

Versos ao Fado são flores
De um ramo que dia a dia
Tem sempre perfume novo
São rosas que os trovadores
Atiram com alegria
Para o regaço do Povo


Fontes:
http://fadoteca.blogspot.com/2010/02/joaquim-silveirinha.html
Aqui poderão ler o artigo completo do periódico
Guitarra de Portugal de Abril, 1947. É só bater à porta com jeitinho.
José Manuel Osório, "Joaquim Silveirinha - Sextilhas Soltas", in Os Fados da Alvorada, Volume 2, editado pela Movieplay Portuguesa SA, 2009.

terça-feira, 15 de junho de 2010

PARABÉNS atrasados SOLDADO DO FADO!




Ninguém reparou....?

Quem é que repara no primeiro aniversário de um blogue, certo? Até a mim ia passando a efeméride!

Foi ontem, dia 14 de Junho, que o Soldado do Fado fez 1 aninho de militância. Não é muito mas para quem nem lhe dava 6 meses (eu mesma), está de Parabéns!

Deixo um agradecimento muito especial aos leitores que acompanham o blogue desde início, que têm sempre demonstrado amor e interesse por esta arte e pelo que eventualmente eu tenha para dizer. Bem hajam!

Obrigada vizinha da frente, por durante este ano ter enriquecido o meu conhecimento sobre a fadistagem. Claro que este blogue também se tornou um reflexo do que me deu.

E mais uma vez recordo a rapariga dos Olhos Garotos. Não fosse ela, não haveria Fado nem Soldado...

Um grande abraço a todos!

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Dois Tons

Ercília e Ercília.
Hoje, no laboratório de análises clínicas, conheci a Dª Ercília, que me disse, "olhe, o que não faz ter uma mãe!...". Eu respondi que "sim, especialmente quem tem a minha", que isto há ter mães e ter Mães. Eu, além de ter Mãe, tenho uma Gratidão do tamanho do Mundo.

Ora aqui vai um fadinho para a Dª Ercília (visto que à minha Mãe eu dedico cada um). A ver se a minha vizinha da frente conhece este poema de algum lado...

Ercília Costa canta Fado Dois Tons (sem informação no disco / Alberto Costa Lima)
Guitarra: Armandinho, Viola: Georgino de Sousa
Gravado em Madrid, 1930




Foi quando Deus fez os sóis
As ilusões, as tristezas
Que entristeceu e depois
Fez as canções portuguesas

Quando Deus criou as rosas
Num paraíso encantado
Caiu uma e desfolhou-se
E dela nasceu o fado

Junto aos marcos da fronteira
Há um letreiro gravado
Que nos diz "entre quem queira,
Mas só quem goste do fado"

Aos que vêm pelo mar
Diz-lhes a onda na barra
"Entre quem saiba chorar,
Ao ouvir uma guitarra"

domingo, 23 de maio de 2010

Da Poesia no Fado

Ando por aqui a cogitar acerca da poesia ligada ao fado e também acerca da poesia que a ele se ligou. Foram várias leituras fortuitas que deram a pensar que poderá estar a surgir alguma actualização da poesia dita “popular”, ou seja, essas tais letras de fado que bafejaram com ares bem portugueses a boca dos nossos fadistas antigos.

Hão-de os doutos perdoar-me a análise simplista, porque actualmente não me toca a paciência, eu penso que muita desta querela sobre a fina poesia detém-se, em parte, com a referência ao real. A poesia de um Linhares Barbosa apresenta equivalentes ao real, ao quotidiano, àquilo que se vivencia. A poesia de Pedro Homem de Mello, ou de Alexandre O’Neill, oferece outro campo de possibilidades interpretativas, assim como os poemas de Camões.

Ter trazido para o fado poemas para os quais se escreveram canções (recorde-se a produção de Alain Oulman) não é nada transcendente, à primeira impressão. Porém, subtraiu aquele cunho castiço e popular aos poemas que andavam nas bocas do povo. O fado complicou-se sobremaneira quando começaram a existir muitas perdas dessa referência ao dia e passaram a existir referências ao conceito. As referências ao quotidiano não deixariam de pontuar algumas metamorfoses do sentido (nem que fosse de humor...). Quando o conceito aconteceu, o fado intelectualizou-se, tendo afastado uns e aproximando outros; e também mantendo alguns: aqueles que tiveram a clareza de espírito para conseguirem passear-se nesse limbo. Na música aconteceu o mesmo.

No entanto, assim como agora surge uma renovada importância dada ao Neo-Realismo (que até já tem museu próprio), ao que a pesada mão da História da Arte resolveu dar um desconto por esse malfadado movimento ter surgido instrumentalizado pelo comunismo e tão vinculado ao real (ao real, na representação); acredito que comece a surgir, também, futuramente, uma actualização das formas de poesia dita popular, e que as mentes se apercebam da validade artística e das soluções geniais adoptadas pelos poetas que escreveram para o fado. É que esses poemas podem também viver sem a música, assim como a poesia Camões, contudo, sem a mesma autonomia, que da música os acerca.

Não me acusa nenhum preconceito quando leio poemas carregados de histórias de faca e alguidar e de sentimentalismos amargurados, como sendo poesia série B. É evidente que existiram letras de fado de engenho duvidoso, que são apreciadas pela sua ingenuidade, e também surgiram poemas, que posteriormente integraram o fado, e que muitos ainda continuam a cantar. É que, no fado, além da validade artística, seja lá o que isso significa, “artisticidade”, ou mera qualidade (se é que “mera” e “qualidade” podem vir relacionadas), privilegia-se a autenticidade, que é invariavelmente sentida pelos demais. É difícil não reconhecer o carácter épico do poema “Lés a Lés” de Linhares Barbosa, que Berta Cardoso tão bem cantou, tendo-se estabelecido esse enriquecimento mútuo.

§



Este texto, agora com algumas modificações, foi escrito no ano passado, e recordo-me que foi inspirado aqui. Trata-se, porventura, de um dos melhores ensaios sobre as particulares características da obra poética de João Linhares Barbosa. Aliás, todo o blogue Guitarras de Lisboa é um ensaio laudatório do Fado, incontornável para melómanos inquietos.

No seguimento desta exposição sobre poemas para fado, letras de fado, poemas musicados e outras semânticas que tais, deixo-vos um daqueles fadinhos fofinhos que vão muito bem com esta tarde nebulosa de Domingo. Quem descobrir qual a criadora deste fado ganha o prémio Soldadinho de Chumbo.

Para já, fiquemos com Maria Amélia Proença. Nascida em Lisboa em 1938, começou a cantar desde os 8 anos, quiçá antes. Integrou o elenco das principais casas de fado, entre elas, o Café Luso e a Adega Machado. Dona de uma força interior expelida pelo seu cantar, é uma das poucas fadistas que se mantém no fado tradicional, território onde afirma sentir-se melhor. Cantou letras de Carlos Conde, outro grande da nossa poesia popular. Ainda se mantêm no activo, encontrando-se entre as fadistas vivas mais antigas. Haja saúde.


Maria Amélia Proença canta Brincos Para Brincar (João Linhares Barbosa / Francisco Carvalhinho)




Quando eu era pequenina
P’ra me enfeitar as orelhas
Minha mãe punha-me às vezes
Quatro cerejas vermelhas

E toda tola lembro-me ainda
Que ia p’rá escola vaidosa e linda
Brincos vermelhos a dar que dar
Pedia espelhos p’ra me mirar

Diziam todas que bem lhe fica
Lembra nos modos menina rica
Via-os revia-os como riqueza
Depois comia-os à sobremesa

Um dia as mais raparigas
Filhas como eu da pobreza
Puseram-me nas orelhas
Dois brinquinhos de princesa

E toda triques faces coradas
Ia aos despiques nas desfolhadas
Vinham meus brincos de algum vergel
Não punham vincos na minha pele

Depois mais tarde vi-te e amei
Deste-me brincos de ouro de lei
Bendito sejas mas na verdade
Vejo cerejas sinto saudade


Letra: http://restaurante-fadomaior.blogspot.com/
Biografia: http://macua.blogs.com/o_fado_e_portugal/2006/10/maria_amlia_pro.html

domingo, 16 de maio de 2010

Fados à Conversa: Carminho no CCB




Estava eu a "partir naquela estrada" ("private joke", para quem esteve no CCB, a ver e ouvir Carminho) e a pensar o que me esperaria nesta solarenga tarde de Domingo. Estará muita gente?, pensei... Estes eventos dedicados ao fado são um irrecusável chamariz. Assim como Carminho a certa altura frisou, o fado tem um mercado bastante forte. Forte, digo eu, especialmente durante esta fase, que não se sabe muito bem quando começou, nem quando acabará. Carminho teve excelente "timing" ao finalmente editar o seu primeiro álbum, "Fado". Não negarei que não tivesse impacto similar, caso o lançamento ocorresse noutra altura, mas a moda ajuda e a própria quantidade de tempo que a fadista entregou a si própria, até aceitar que seria a altura ideal para gravar, trouxe-a até nós com um estímulo especial de verdade.

Carminho, outrora desconhecida fora da esfera fadista, é agora um potencial fenómeno de massas: portuguesas e à moda antiga (basta ver a faixa etária da assistência e tirar as devidas conclusões). Inegável fenómeno que reúne consenso em todos os meios (até nos meios não fadistas), pela qualidade excepcional da sua voz, entrega e expressividade. Posso dizer que saí da sala Luís de Freitas Branco impressionada e satisfeita. Particularmente, por saber que a rapariga tem aproximadamente a minha idade, é da minha geração, e isso enche-me de orgulho. É que o Fado de todos os tempos, não só deste, tem os bons, os maus e os assim assim.

É bom saber que existem vozes como as de Carminho e de Ricardo Ribeiro, para frisar mais um, que enriquecem esta arte já tão saturada mas que oferece ainda um campo extraordinário para estes filões de luz. Imagino-me a ouvi-los com prazer daqui a 30 anos, assim como ouço com prazer fadistas de há 30 anos atrás, ou mais, muito mais. Não vou ficar petrificada nestes discos que me acompanham todos os dias, nem vou permanecer apenas apreciadora de fadistas mortas ou com mais de 70 anos. É bom saber que há algum espaço nestes ouvidos birrentos (ou exigentes, dependendo da perspectiva) para explorar estas novas vozes, ainda que com conta, peso, medida e alguma desconfiança natural. Ainda não me habituei aos contrabaixos no fado, por exemplo. Desculpem, mas recuso.

Felizmente não foi o caso dos belíssimos músicos que acompanharam Carminho. Luís Guerreiro (guitarra portuguesa), André Ramos (viola de fado), Daniel Pinto (guitarra baixo), são exemplos de virtuosismo. O seu apreço por Carminho sente-se na forma como comunicam com ela, nesse fado que é de todos e que forma um conjunto natural, apesar das inúmeras horas de trabalho que estarão por trás de tão aprazível performance. Parabéns ao Luís Guerreiro pela qualidade de solos com que nos brindou no Fado Pechincha. Também eu fiquei quase sem respiração com tamanha quantidade de escalas, ornamentações, trinados e tudo o mais que o meu conhecimento musical não permite classificar.

Além dos músicos acompanhantes e da própria Carminho, Helder Moutinho (director artístico) deu o mote para o desenrolar da interessante conversa sobre o curto percurso da jovem fadista. Helder não conseguiu disfarçar a admiração sentida ao ouvi-la cantar. Ouvir Carminho contar a sua história, desde as suas influências, passando pelo percurso pelas casas de fado, pela presença constante do fado durante toda a sua vida (desde o ventre da sua mãe, Tereza Siqueira), foi cativante tanto pelo discurso juvenil e informal como pelos laivos de fino sentido de humor. "A miúda é gira...", ouvi alguém dizer.

Já perto do final deste encontro, Carminho desafia Helder Moutinho para cantar Marcha de Alfama. Ao meu lado, duas francesas não pescavam nada do que se estava a passar. Foram as palmas para a despedida e eu a perguntar, num francês macarrónico, se as ditas senhoras não teriam compreendido mesmo nada da conversa, ao que elas disseram: "Zero!" É que queriam que eu reproduzisse a história de Carminho, mas se fossem inglesas teriam tido melhor sorte e tudo o resto apenas dependeria da minha boa vontade.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Fados à Conversa no CCB



Encontrava-me a pesquisar sobre os Dias da Música no CCB, quando me deparei com estes Fados à Conversa.
Esta predisposição natural para o Fado faz com que o encontre em qualquer sítio, ou melhor, faz com que seja encontrada, porque neste âmbito, e ao que ao Fado diz respeito, não existe muita possibilidade de escolha.
Voilá, o ciclo Fados à Conversa inaugura com Carminho, no dia 16 Maio 2010, pelas 17:00. Óptima ocasião para conhecer como nasce uma fadista de tão singular quilate.
Trata-se do segundo ciclo de Concertos à Conversa que parte de um conjunto de convidados por sessão, desta feita, dedicada ao Fado. Durante os dias 16, 23 e 30 de Maio, terminando no dia 6 de Junho, podemos conhecer e ouvir Carminho, José Fontes Rocha, Joana Amendoeira, Ricardo Parreira, Fernando Alvim, Rodrigo, entre outros. A direcção artística fica a cargo de Hélder Moutinho.

Se a história do fado conta com pouco mais de um século, as histórias do fado contam-se às centenas. E algumas ficam para a história. Helder Moutinho conhece-as bem. Nasceu numa família de fadistas e, ao longo dos seus quarenta anos, entre palcos e casas de fado, conviveu de perto com várias gerações de vozes, poetas, músicos e compositores. E porque um dos maiores prazeres da música reside no dá-la a conhecer aos outros, Helder Moutinho propõe-nos ouvir, ao longo de quatro concertos e quatro conversas, alguns dos mais destacados representantes das várias gerações que conhece do fado.

Consulte a programação em:
Fados à Conversa

terça-feira, 23 de março de 2010

Desgarrada

Recordem:


Joaquim Campos


Ercília Costa


António Menano


Joaquim Campos, Ercília Costa, António Menano cantam A Desgarrada (Popular - Fernando Teles)
Guitarra - Armandinho
Viola - Georgino de Sousa



Há no coração do homem
Tanta vontade de amar
Que as penas não o consomem
Por mais que o façam penar

É engano, há na mulher
Um amor mais puro e forte
Pois quando o coração quer
Vai o amor além da morte

Duma leve simpatia
Muitas vezes sem se querer
Vai crescendo tanto e tanto
Que d'amor nos faz morrer

Quando o homem ama e quer
Com toda a força da alma
Não há nenhuma mulher
Que em amor lhe leve a palma

Quando os nossos peitos tomem
Uma paixão verdadeira
Tanto a mulher como o homem
Amam da mesma maneira

Há sempre coisas mesquinhas
No perceber de quem ama
O ninho das andorinhas
É construído de lama


É uma desgarrada de ouro de uma época não menos áurea. Puro fado, isso sim! Intemporal, na música, nos intérpretes e nas palavras. Até porque, quando por amor se sofre, a lama é sempre a mesma.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Rosa Caída

Ada de Castro canta Rosa Caída (Joaquim da Silva Borges / Joaquim Campos)



Por trás do espelho quem está...? Uma mulher que sofreu.

Já não és a minha vida
De ti não tenho ciúme
Olha que a rosa caída
Mesmo depois de colhida
Continua a ter perfume

Julgando que me torturas
Passas com outra ao teu lado
Eu não caminha às escuras
Tenha a luz das amarguras
A iluminar meu passado

Não queiras compreender
Aquilo que já sofri
Só tenho pena de ser
Aquela a quem o sofrer
A fez mais gostar de ti

Já fui a rosa esquecida
Que esperava a Primavera
Agora tenho outra vida
Já não sou rosa caída
Voltei a ser o que era

sábado, 13 de março de 2010

Parabéns Ada!

Pelos 50 anos da sua carreira, que alguns resolveram lembrar-se.
O jornal Hardmusica publicou uma notícia, a qual volto a publicar neste blogue, para dela ter sempre registo.
Passando ao lado da comum retrospectiva da sua carreira, prefiro aqui deixar uma sincera homenagem com um fado.
O registo da voz de Ada de Castro sempre me agradou tendo sempre feito parte dos meus favoritos. Soube, através de uma fonte inesperada, que Ada de Castro, antes de se profissionalizar, cantava muitos fados da Hermínia Silva. Diziam até que as suas vozes eram parecidas. Na minha opinião, não diria tanto pela voz, mas pela forma de cantar, pelo repertório escolhido, pelo sentimento dedicado, pela garra e a raça fadista, castiça e bairrista. Sim, não me admira que isso seja idêntico e transmissível. Gostava de ver mais gente nessa sincronia. Também me disseram que era uma apaixonada pela voz de Maria Teresa de Noronha. Uma mulher de bom gosto, portanto.
Fadinhos como “Não me Atires Poeira aos Olhos” caem-me no colo em alturas que até parece que adivinham... É que é engraçado quando sentimos que alguém insiste em atirar-nos poeira aos olhos mas, por alguma intempérie momentânea, um ventinho sopra, e lá vai a areia direccionada para outro lado qualquer (ou para os olhos de outra pessoa, o que até tinha alguma piada). Para os meus olhos vão apenas as verdades que a noite encobre (onde é que já ouvi isto?:]), as realidades que se pressentem, as expressões que se vislumbram, os sentimentos cuja condição é realmente precária, como é toda uma vida no tempo presente, ainda mais do que antes.
Enfim, não deixa de ter a sua graça ver a ingenuidade com que me atiram poeira aos olhos. E eu a vê-la passar também não sou diferente...
Vai um fado e um tinto, para esquecer o dissabor.
Desejo bom resto de Sábado a todos, em especial à Dª Ada de Castro, que não merece estar envolvida nas confissões de uma fadistona chorosa.


Ada de Castro canta Não me Atires Poeira aos Olhos (António José, Nóbrega e Sousa)



Ada de Castro fala de si e do Fado
Hardmúsica, 13 MAR, 2010 por Zita Ferreira Braga

Ada de Castro mora em Lisboa, mais exactamente em Campo de Ourique mas não é aqui que tem as suas raizes. Nasceu no Castelo, perto de Alfama, berço de muito Fado e de muitos que o cantam.

"Sou uma mulher simples que ama o Fado e que tudo tem feito para o cantar bem. Sou das fadistas castiças que cantam com voz velada e um cheirinho de rua".
E Ada continua a descrição do que tem sido a sua vida de fadista:"Cantei a primeira vez como profissional no Faia, que era do pai do Carlos do Carmo, um homem muito simpático. Gostaram muito de mim e fui continuando a cantar. Só canto fados meus. Também apadrinhei muitas marchas sempre diferentes e foi sempre uma coisa de que gostei muito".

E Ada continua a falar embalada pelas recordações mas sem qualquer laivo de melancolia: " sabe para mim há uma figura máxima no Fado, a Maria Severa, e a partir daí vem Amália e depois vêm mais umas outras. Por exemplo fala-se pouco de Hermínia Silva uma pessoa que fez parte da minha vida porque a minha avó foi sua contemporânea e falava-se muito dela. Mas este país esquece os grandes artistas. Veja a Laura Alves. Ninguém fala dela e foi uma das melhores actrizes portuguesas".

Aqui o Hardmusica decidiu perguntar-lhe se se considera uma Diva uma vez que está incluida no rol das divas agora editado pela Fonoteca: " de modo nenhum. E penso que não há divas no Fado. Diva para mim é talvez a Maria Callas na ópera, a Piaff na canção. Diva é uma nome que não se aplica ao Fado e a haver seria a Severa."
Perguntámos a Ada de Castro como via ela o papel do Museu do Fado no panorama artístico actual mas a fadista não quiz adiantar muito sobre esta questão embora seja um local onde vai sempre que é solicitada.

"Ada de Castro, acha que lhe vão fazer uma festa como têm feito a outras colegas?"
Resposta imediata " Não". Com mais calma elucidou: "Mas se me quiserem fazer eu vou com toda a certeza. Mas ser eu a pagar para ter uma festa isso não!"
Mas esta fadista tem um talento em que a voz não entra: gosta de pintar. Autodidacta, recusa-se a ter lições porque "gosto de pintar o que quero, como quero e quando quero e se tivesse lições perdia a espontaneidade que ponho nas minhas pinturas"

Ada de Castro faz neste sábado, 13 de Março, 50 anos de actividade artística como fadista.
Cantou em várias casa de fado e actuou em inúmeras casas de espectáculo do país.
Visitou profissionalmente vários países, tendo actuado quer ao vivo quer nas televisões dos mesmos: Espanha, Dinamarca, Suécia, Bélgica, Holanda, Japão, China, França, Itália, Brasil, Argentina, Uruguai, EUA, Canadá e toda a antiga África Portuguesa, foram locais onde deixou a sua voz e o seu Fado.

No Mónaco actuou nos jardins do palácio Grimaldi para toda a família do príncipe Reinier incluindo a princesa Grace.
No Brasil actuou em todos os Estados da Federação a convite do Governo Brasileiro, isto em 1968.

Gravou para várias editoras, não só em Portugal mas também no Brasil e Holanda, detendo entre fados e marchas um total de 550 números gravados.

São inúmeros os prémios recebidos como em 1962, o óscar pela melhor fadista, prémio RTP, outro óscar em 1968 como melhor fadista do ano, em 1964 um elefante de ouro,em 1982 mais um óscar como melhor fadista do ano e por aí adiante.

Um pormenor que Ada conta com muita graça: "Veja só. Sou do Benfica e tenho uma placa de agradecimento do Sporting". E lá estava ela!



Links:
http://www.hardmusica.pt/noticia_detalhe.php?cd_noticia=4620

Biografia:
http://jsilva.bloguedemusica.com/r296/Ada-de-Castro/
http://www.portaldofado.net/content/view/1363/67/

Fados:
http://fadocravo.blogspot.com/2008/11/ada-de-castro-cigano-ou-troca-por-troca.html
http://lisboanoguiness.blogs.sapo.pt/76350.html

sábado, 6 de março de 2010

ARGENTINA SANTOS Não sei se canto se rezo




I do not know whether I’m singing or praying, é aquele mote entendido em qualquer língua, onde se isola uma ligeira nuance entre o cantar, rezar ou, até mesmo, pregar. Argentina Santos, do alto da sua dignidade de mulher e fadista, assim expressa, na doçura dos seus pianinhos, na riqueza melódica da sua voz, na verdade do seu cantar, a solidez do seu papel, onde se encontra, desde há algumas décadas, amplamente reconhecida. Sem qualquer pretensão a vedetismos, na sua entrega intimista, muitos testemunharam, naquela que é a sua Casa, a "Parreirinha de Alfama", a envolvência do seu cantar e a sedução dos seus dotes gastronómicos.

O Museu do Fado, pela segunda vez, homenageia a fadista, com uma exposição que exibe o seu espólio artístico, cuja reprodução podemos trazer connosco, por via do catálogo belissimamente ilustrado, com uma concepção gráfica notável. De destacar a possibilidade de podermos apreciar os projectos de António Viana para a concretização da exposição, que são, a meu ver, autênticas obras de arte, por si só. É ainda apresentada a discografia da fadista, incluindo as gravações de espectáculos, que ocorreram na casa de fados "Parreirinha de Alfama", congregando muitas figuras do nosso fado, que ali encantaram os seus admiradores e cultores.

O fadista Carlos do Carmo foi impulsionador da carreira além-fronteiras de Argentina Santos, juntamente com a imprensa especializada, que sempre a acompanhou e legitimou no seu papel incontornável, mesmo fora de um círculo mais ou menos fechado de apreciadores. De Argentina Santos, hoje com 86 anos, reconhecemos, para além do seu imenso dote nas vocalizações da alma, aquilo que as palavras podem definir como a uma inabalável Verdade.

A mim ninguém me diz nada. Nem a maneira de cantar. Eu nunca canto igual, nem repertório nem nada. Eu estou muito acostumada a mandar em mim, gosto muito de mandar em mim, de maneira que aquilo que gosto é aquilo que canto, é aquilo que sinto.
Argentina Santos

E disse alguém que o fado era canção de vencidos...


Argentina Santos canta Reza (Clemente Pereira/Miguel Ramos)


Visite a exposição no Museu do Fado de 28 de Fevereiro a 30 de Abril de 2010.

Links:
http://lisboanoguiness.blogs.sapo.pt/200798.html
http://fadocravo.blogspot.com/search/label/Argentina%20Santos
http://www.museudofado.egeac.pt/
http://jsilva.bloguedemusica.com/r299/Argentina-Santos/

segunda-feira, 1 de março de 2010

CONTRASTES

Após um breve interregno, tão duradouro quanto a publicidade da TVI, cá me apresento novamente, provinda da caserna onde descansei e ouvi a Berta Cardoso a cantar só para mim; lembrei-me que dantes até escrevia sobre fado... Recordei-me que o fado tem destas coisas engraçadas de pertencer a todos os tempos e não pertencer a nenhum.

Há aqueles fados que são intemporais e aqueles que se vê que pertencem bem a estes tempos, seja pela produção sonora, pelas soluções instrumentais, pela actualidade das letras, ou pela irreverência na interpretação. Penso ser interessante contrastarmos (e constatarmos) essa substancial diferença entre o “original” e a “versão”, o novo e o velho, o actual (de agora) e o intemporal (de outrora e por aí fora...); o recente que amplifica o passado e o passado que justifica a novidade, legitimando-se assim...

São duas interpretações de que gosto, que me agradam pelas suas diferenças e por aquilo que carregam em comum. Quero agradecer à minha vizinha da frente [N. do A., da frente, sendo assim mais fácil gritar “bom dia” e ela ouvir-me e ver-me, assim como pedir-lhe aqueles distintos raminhos de violeta que ela semeia à janela da cozinha] por ter-me enviado esta versão da Hermínia Silva ao vivo a cantar o fado que conheço como “A Rua Mais Lisboeta”. Da Aldina Duarte, a gravação que possuo é a que consta no CD “Mulheres ao Espelho”. Ainda da nossa Hermínia Silva podem encontrar uma gravação de muito boa qualidade no CD “O melhor de Hermínia Silva” editado pela iPLAY, 2008.


Hermínia Silva canta A Rua Mais Lisboeta (José Lourenço Rodrigues / Vasco de Macedo)




Aldina Duarte canta A Rua Mais Lisboeta (José Lourenço Rodrigues / Vasco de Macedo)



Cá p'ra mim a minha rua
É um risonho canteiro
Tem gatos miando à lua
Nos telhados em Janeiro

Tudo ali é português
Ai, tudo lá vive contente
Vive o pobre e o burguês
É pequenina talvez
Mas cabe lá toda a gente

Melhor nunca vi
Que a rua onde eu nasci
A rua é pobrezinha
Mas tem uma graça infinda
É humilde qual aldeia
Embora digam que é feia
Cá p'ra mim é mais linda

Não há ódios nem maldades
E tudo ali é singeleza
Não pode haver na cidade
Rua assim mais portuguesa

Ai, nada tem que seja novo
Essa rua da gentalha
E assim canto e me comovo
Pois é a rua do povo
Que labuta e que trabalha

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Faleceu o guitarrista Jorge Fontes

Notícia extraída do jornal Público 26 JAN 2010

O guitarrista Jorge Fontes, 75 anos, morreu hoje de manhã à saída da sua residência na Damaia (Amadora), disse à Lusa uma familiar do músico.

Jorge Fontes acompanhou vários fadistas, como Amália Rodrigues e Fernando Farinha, e colaborou ainda com José Afonso, no EP “Cantares” (1964), Quim Barreiros, no seu primeiro disco, em 1971, e António Variações, no álbum “Dar e receber”. Editou ainda vários discos com o seu conjunto de guitarras.

O estudioso de fado José Manuel Osório disse à Lusa que Jorge Fontes “foi um dos campeões de gravações de discos, juntamente com António Chaínho”, outro guitarrista da sua geração. “Praticamente todos os grandes nomes do fado foram acompanhados por ele, além de ter incentivado muitos fadistas, alguns já retirados, a gravar discos, e nesse sentido é importantíssimo para a história da discografia fadista”, salientou José Manuel Osório.

O seu último álbum foi editado em 2007, pela Metro-Som, e inclui, entre outras temas, “As minha variações em Lá” e “o que me disse a guitarra”, ambos da sua autoria, e “Picadinho do Minho” e “Ó Malhão”, para o quais fez os arranjos.

Tristão da Silva, Ada de Castro, Maria da Fé, Fernanda Maria, Fernanda Pinto, Frederico Vinagre e Lenita Gentil foram outros dos nomes que acompanhou. Como músico integrou o elenco de várias casas de fado de Lisboa, designadamente Arcadas do Faia e Restaurante Típico O Forcado, onde actuou durante 29 anos, no Bairro Alto.

Actuou por diversas vezes em programas recreativos da RTP e no estrangeiro, designadamente em Espanha, França, Bélgica, Itália, Holanda e Suécia. O corpo do guitarrista encontra-se na igreja de N.ª Sr.ª de Fátima em Lisboa, onde é hoje rezada missa de corpo presente pelas 19h00. O funeral do músico realiza-se quarta-feira pelas 09h00 para o cemitério de Carvalhos (Vila Nova de Gaia).

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Amália, Coração Independente

É já neste novo ano de 2010 que deixo um testemunho da exposição que vi ainda em 2009. Só compareci na versão Museu Berardo, tendo a outra ficado para outros carnavais, que ainda não chegaram e provavelmente não chegarão. Portanto, ambas as exposições funcionam em simultâneo, de 06 OUT 2009 a 31 JAN 2010 no Museu Colecção Berardo e no Museu da Electricidade. Não sei se já têm conhecimento, mas li algures que a exposição será posteriormente transferida para o Brasil.

Já aqui expus resumidamente o que penso sobre a importância de Amália no mundo do Fado, ao constituir um abalo na sua estrutura, desvelando esse coração que literalmente foi independente, que atravessou a mole temporal até aos dias de hoje e que, quer queiramos quer não (não sendo difícil admiti-lo), não foi o que aconteceu com outros fadistas.

Esse coração independente foi também independente do (e no) tempo, latente, flamejante e trangressor. Por isso não será de estranhar que, no âmbito da exposição, vejamos trajes conotados com o fado tradicional ou cartazes de filmes dos anos 30 e 40, a partilhar o mesmo espaço que uma fotografia de Gabriel Abrantes, nu, numa piscina de borracha, segurando uma guitarra portuguesa, banhado por uma mistela com artefactos elucidativos de festa (bem) brava. Parabéns Amália:)

Nesta exposição estão congregados pedaços de tempo, diversas visões que viram (perdoem-me a redundância) em Amália um símbolo, directa ou indirectamente, e que quiseram oferecer um pouco de si sobre a nossa fadista, um pouco do seu significado.

Mesmo passados 10 anos após a sua morte, Amália continua a inspirar, a fazer suspirar corações, a fazer jovens ouvirem fado (mesmo pensando que são da autoria de Amália Hoje), a fazer parte integrante e legitimadora da pesquisa plástica de artistas como Joana Vasconcelos... Recorde-se, também, que grande maioria das obras dos artistas contemporâneos fizeram capa nas reedições em vinil dos fados de Amália, à venda na FNAC, integrados no projecto "Amália Nossa".

Deixo-vos um conjunto de fotografias que ilustram esse aprazível percurso (perdoem-me a legendagem insuficiente):






Sempre em palco








Gabriel Abrantes


Adriana Molder, Saudades de uma Estranha, 2009


Vestido e xaile bordados. Usado no Rio de Janeiro, 1944


Cartaz do filme, Mário Costa, 1947


Cartaz do filme, Hernâni e Rui, 1949









Dir: Maluda, Amália Rodrigues, 1964





Amália na imprensa


Amália na imprensa


Amália na imprensa











Pinto de Campos, vestido bordado e xaile, 1966; Farda Preta, 1987


Leonel Moura, Sem Título, 1987


Joana Vasconcelos, Coração Independente, 2005





Joana Vasconcelos, Coração Independente
Gaivota (Alain Oulman / Alexandre O'Neill)