quarta-feira, 27 de março de 2013

Maria do Carmo Torres - O Sonho

Não queria começar este post, assim do nada, sem pelo menos pedir desculpa aos que acompanharam e ainda vão acompanhando, encontrando e lendo o que escrevi neste blogue. Esta ausência de quase dois anos - justifiquei-o - mas volto a fazê-lo, deveu-se a compromissos académicos inadiáveis. Por vezes não resta tempo para escrever sobre as coisas que nos movem, das quais gostamos, às quais vamos buscar ânimo. Em todo o caso, confesso que existiu um ponto de saturação e uma nova fase da minha vida iniciou-se sem que eu desse conta. Não! Fiquem descansados! Não passei a gostar de fado acompanhado por instrumentos de arco! Refiro-me apenas a mudanças que ajudaram a menorizar o meu desejo de escrever sobre este assunto, ao ponto de ver essa ausência estendida à própria audição da música.

Não posso afirmar que já não me encontro nessa fase, pois perspectivo alterações na minha vida que vão afectar, naturalmente, as audições dos "meus" fados ou, pelo menos, o tempo que a eles posso dedicar. Reservei então este bocadinho do final do dia, em que me sinto extremamente cansada, mas que terminei a ouvir uma doçura de voz, enquanto viajava de carro para casa. Foi assim como que uma infusão de energia extra que passou por mim. Não transformou propriamente os meus peitos em anseios de fogo (eu estava a conduzir, não é?)  mas a metáfora deu para expressar aquilo que podemos chamar o poder transformativo da música, cá no nosso interior. E uma destas é que eu não estava à espera, talvez porque tenha reservado menos tempo aos sonhos do que de costume.

Deixo-vos então, para vosso deleite, a voz que emana delícias de Maria do Carmo Torres, com as devidas referências para as mentes mais analíticas. A fonte da qual retirei este tema foi a edição, em formato CD, Arquivos do Fado, Vol. 1, "Fado de Lisboa (1928-1936)", Tradisom, 1994. Desconhece-se que músicos a acompanharam a fadista nesta gravação de 1936. Letra? Música? Não encontrei. Caso alguém possa ajudar, terei todo o prazer em actualizar os dados.

Maria do Carmo Torres canta O Sonho (Lisboa, 1936)


Passo a transcrever a letra:

Na minha cama só estava deitada
Mas sem poder dormir pus-me a sonhar

Eu sonho muitas vezes acordada
E o que sonhei então vou-vos contar

Era uma tarde linda, vinham toiros
Correndo estrada fora para a praça

Onde os toureiros vão procurar loiros
Entusiasmando ao rubro a populaça

Eu andava pra'li entontecida
P'lo sol p'la cor p'la algazarra

De repente porém fui atraída
P'lo doce trinar d'uma guitarra

Era o Fado mas o Fado rigoroso
Cantava-o a Severa com preceito 

E a guitarra nas mãos do Vimioso
Punha anseios de fogo no meu peito

Senti-me então fadista como era
Arrascou(?) a cigana e quis cantar

Cantei ao desafio com a Severa
Mas isto, meus senhores, foi a sonhar


terça-feira, 15 de novembro de 2011

Berta Cardoso em 78 RPM












Ao observar a lista de material discográfico no acervo do Museu do Fado pensei que seria muito interessante recuperar as gravações em 78RPM. Em primeiro lugar porque raramente estes discos devem ser tocados (por questões de conservação) e deveriam, em segundo lugar, ser transferidos para suporte digital (se já não o foram) e comercializados. Assim todos teríamos acesso às canções nestes discos sem a necessidade de desgastar os originais. Outra ideia interessante seria disponibilizar alguns fados em streaming no próprio site do museu e enriquecer ainda mais a forma como interagimos com a colecção.

Fonte das imagens: Museu do Fado

Ilustração e fado




Caros leitores (se por aí ainda persistir algum). Fui ao blogue da minha vizinha do lado e vi uma coisa maravilhosa. Um blogue com desenhos de fadistas. Além dos magníficos desenhos, as montagens gráficas também estão notáveis. A obra é da autoria do ilustrador Raulowsky. É bom que o fado tenha a visibilidade além fronteiras, não só pelo seu valor patrimonial como pelo valor musical e poético. Cada letra um poema, cada poema com uma canção e cada canção com uma voz que lhe dá vida. O fado pode e deve ser uma arte em movimento. Uma arte para todas as artes e uma arte que revisite todos os tempos.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

«A grande Beatriz da Conceição e a extraordinária Berta Cardoso»

Publicado no Jornal Hardmusica
Um disco (formato CD) que vale a pena adquirir para quem tem interesse em conhecer o trabalho da única fadista do grupo que raramente é referenciada em colectâneas do género e que ainda não tem uma compilação editada com os seus fados. Estes discos valem pela possibilidade de ouvir gravações antigas e poder ouvi-las em formato digital. Finalmente vai-se falando de Berta Cardoso, vão-se publicando uns fados aqui e ali, nesta ou naquela compilação. Sente-se a falta de um bocadinho mais no que ao que esta fadista diz respeito.

«Entre as quatro gravações escolhidas de Beatriz da Conceição todas de 1973, está “A menina dos meus olhos” que Mariza retomou no seu último CD, “Fado Tradicional”.
Interpretação única, azougada, de grande valentia a que demonstra Beatriz da Conceição que canta ainda “Eu preciso de te ver”, “Lisboa é testemunha” e “Minha alma de amor sedenta”, este último numa interpretação pungente e de antologia.
Beatriz da Conceição foi distinguida há dois anos com o Prémio Amália Rodrigues Carreira, mas faltou à cerimónia de entrega.
Berta Cardoso é um dos expoentes do fado, e hoje, curiosamente, muito esquecida. Nesse sentido recomendaria a visita ao site da fadista que foi alvo há alguns anos de uma exposição e várias iniciativas (e muito justamente) sobre a sua carreira, no Museu do Fado.
José Manuel Osório não pôde fugir ao emblemático “Cruz da Guerra” que resistiu aos tempos. A data referenciada desta gravação é de 1979 pela Riso e Ritmo.

Da grande Berta Cardoso é escolhido um interessante fado Triplicado, “Noite de S. João”, uma interpretação brilhante do fado Corrido, “Meu amor fugiu do ninho” com uma engenhosa letra de Linhares Barbosa, e um magnífico fado de João Maria Rosendo (letra e música), “Testamento”.
Carlos Zel canta como poucos e num estilo muito seu, o fado dos Sonhos, de Frederico de Brito. Uma brilhante interpretação. Outro é o “Fado d’Outrora”, num ritmo excelente que dá vontade de dizer: “Ah, fadista!”. Ambos os fados são de 1996.

No Fado Vianinha, canta “Nossa Senhora do fado” que há quem aponte como uma dedicatória a Amália Rodrigues de quem o fadista era amigo e admirador, e no Dois Tons, “Mais anos de fado”.
De Carlos Macedo, que foi guitarrista de Maria da Fé e a acompanhou numa memorável digressão ao Brasil, José Manuel Osório escolheu dois temas de 1977, ambos de Vasco de Lima Couto, em que está já lá a nota baladeira do fado de Macedo.

Os dois outros temas são de 1985, um deles assinado por Maria Manuel Cid, “Rouxinol da Caneira”, e “Velho Friagem”, de Raul Ferrão e Fernando Farinha. Uma nota para o acompanhamento nestes dois fados, entre os instrumentistas está Paquito, José Fontes Rocha e Tó Moliças.»

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Parabéns (super) atrasados Soldado do Fado!



Bem, mais uma vez, só agora me lembrei. Mais vale tarde que nunca.
No dia 14 de Junho de 2011 o Soldado de Fado cumpriu 2 anos de militância. Apesar deste segundo ano não ter sido nada produtivo, sempre podemos ter orgulho num blogue exclusivamente sobre fado tradicional que vai fazendo um esforço por se manter actualizado.
Obrigada aos leitores, àqueles mais pacientes que ainda vêm espreitar se já caiu algum verbete novo e aos outros que já se esqueceram.
Saudações fadistas!

Morreu o fadista e estudioso de fado José Manuel Osório

Público, 11.08.2011 - 19:55 Por Lusa

De entre as poucas pessoas que se dedicava ao estudo e divulgação do Fado, que tinha acesso directo a material sonoro que resolveu estudar e difundir, encontra-se José Manuel Osório, falecido no dia 11-08-2011 aos 64 anos. Uma perda no domínio da cultura portuguesa e da tradição urbana, que não desaparecerá do panorama intelectual que ajudou a construir. Ficará sempre entre os que ficaram gratos pelo seu trabalho e entre os que com ele contactaram pessoalmente.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

SPA cria grupo de fado

Jornal Hardmusica

«O grupo que, entre outros, integra o poeta José Luís Gordo e o músico Pedro Campos, propõe-se reflectir sobre "o sistema de registo de novos textos criados para músicas clássicas do repertório fadista", afirma a SPA numa nota.

Na área do fado esta é uma questão sensível pois uma mesma letra pode ser cantada em músicas diferentes, assim como uma música pode servir a centenas de letras diferentes. O essencial para que melodia e letra se conjuguem é a métrica e acentuação.

Este grupo irá assim reflectir sobre a interpretação de novos poemas em melodias tradicionais como "Fado Bailado", "Fado Lopes", "Fado Vianinha", "Fado Primavera", "Fado Mayer", "Fado Santa Luzia", "Fado Franklin de Sextilhas", "Fado Isabel", "Fado Mocita dos Caracóis" ou o "Fado Vitória", entre outros.

Estima-se em cerca de 250 o número de fados considerados tradicionais, com autores conhecidos, fazendo parte da tradição fadista a interpretação de novas letras em melodias consagradas, ou a interpretação da mesma letra em melodias diferentes.

Um dos exemplos, entre muitos, é a “Toada do Desengano”, que Mariza criou na melodia do "Fado Franklin de Sextilhas", e Luísa Rocha gravou este ano, no "Fado Acácio", sendo o mesmo poema de Vasco Graça Moura.

Outro exemplo, entre muitos, é o "Fado Vitória", composto por Joaquim Pimentel, que José Profírio gravou com a letra "O Rouxinol do Choupal", enquanto Fernando Maurício gravou, de Gabriel de Oliveira, "Igreja de Santo Estevão", e Amália Rodrigues escolheu um poema de Pedro Homem de Mello, "Povo que lavas no rio".

Do grupo de fados tradicionais só três, considerados a base, não têm autor atribuído: o "Fado Menor", "Fado Corrido" e o "Fado Mouraria".

No tocante à exportação, o grupo agora formado, que inclui ainda os poetas Maria de Lourdes Carvalho e Tiago Torres da Silva, irá trabalhar “em articulação com o Gabinete de Exportação da Música Portuguesa”, diz a mesma nota.

“O apoio a novos autores desta área e a articulação da SPA com o processo de candidatura do fado a Património Imaterial da Humanidade, bem como a dinamização do protocolo celebrado em 2010 com o Museu do Fado” são outras das atribuições do grupo de trabalho.

Este grupo integra também os músicos e letristas Tozé Brito e o Carlos Alberto Moniz.»
(IB)


E o "Fado Dois Tons" tem autor? Ou será apenas uma subcategoria?

quinta-feira, 16 de junho de 2011

«Portal do Fado constitui base de dados de letras e músicas»

É o que podemos ler na notícia publicada pelo Hardmusica - Jornal de Cultura e Lazer.
Aqui se transcreve o texto:

«"A ideia começou por termos imensos pedidos de letras e quais as músicas, nomeadamente as tradicionais”, explicou um dos proprietários do site, Sérgio Miranda.

O site www.portaldofado.net é visitado diariamente por cerca de 2.500 pessoas, com uma acentuada fatia percentual de estrangeiros, disse o responsável.

Da ideia de responder aos pedidos, a equipa do Portal do Fado, projetou uma base de dados que além das letras incluísse os autores, os intérpretes que gravaram, o ano de criação e outras observações de interesse.

Na área fadista esta é uma questão sensível pois uma mesma letra pode ser cantada em músicas diferentes, assim como uma música pode servir a centenas de letras diferentes.
O essencial para que melodia e letra conjuguem é a métrica.

Sérgio Miranda reconheceu que “é uma teia complicada” mas sublinhou a necessidade de “uma memória correcta” desta tradição, tanto mais que “muitas vezes surgem letras adulteradas” e autores incorrectos ou nem sequer mencionados.

O investigador José Manuel Osório, por exemplo, contou à Lusa, que o fado “Mãos Sujas” de Frederico de Brito, que está registado, foi durante anos atribuído a outra pessoa que “calmamente recebia os direitos de autor”.

Sendo uma tradição marcadamente oral, facilita algumas trocas e involuntários erros, disse Miranda.

O gestor do Portal do Fado citou vários exemplos de cruzamentos que “baralham”.
“O fado ‘Rosa da Madragoa’ foi criado pela Lucília do Carmo, mas a Raquel Tavares também o canta e há pequenas alterações”, disse.

“A Amália por exemplo, recuperou muitos fados que eram interpretados por outras fadistas ou até intérpretes”, acrescentou.
Entre outros, do repertório de Amália consta “Fado Faia”, uma criação de Berta Cardoso, e também “Fado do Ciúme” ao que cortou uma estrofe, este, uma criação de Maria Alice.

“Nestes casos toma-se como criador o primeiro, apesar de nem sempre se ter a certeza absoluta, e acrescenta-se os outros que também gravaram o mesmo fado”, esclareceu.

Um exemplo é “Fui ao Baile”, criado no teatro de revista por Maria José da Guia, mas que foi gravado por Fernanda Baptista que a substituiu no teatro.

Outras situações são por exemplo, referiu, o tema “Toada do Desengano” que Mariza criou na melodia do Fado Franklin de Sextilhas, e Luísa Rocha gravou no Fado Acácio, “sendo o mesmíssimo poema de Vasco Graça Moura”.

A base de dados será preenchida pelos utilizadores cabendo aos gestores do Portal fazer a confirmação e procurar as fontes seguras da autoria, o que passa por “um trabalho mais sério com a Sociedade Portuguesa de Autores, mas também instituições que estão no meio como o Museu do Fado ou a Associação Portuguesa dos Amigos do Fado (APAF)”.

A equipa do Portal constituída por Sérgio Miranda (designer gráfico) e Miguel Amaral (guitarrista de fado) reconhece que a base de dados é uma ciclópica tarefa.
(IB)»

A ideia de base de dados relacional para este assunto em concreto era gira. Necessita de indexação e vocabulário controlado :)