segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Maria da Conceição (1958): Fados




O álbum da criadora do fado "Mãe Preta" já chegou ao Soldado!
À semelhança do que foi indicado na notícia e comentários anteriores, reforço que foi de louvar a iniciativa desta reedição em formato digital dos 12 fados seleccionados do repertório da fadista Maria da Conceição.

Como tem sido hábito comentar sobre o "pacote", devo frisar que este lançamento da Estoril desilude um pouco pela ausência de livrinho, nem que seja com os poemas impressos, constituindo assim um dos pontos menos positivos desta edição. Compreende-se, porém, que seja inevitável construir edições simples, gastando o mínimo possível de recursos e vendendo a um preço que denuncia o escasso número de vendas. Vale pela música e pela divulgação.

O conjunto de temas é constituído por fados tradicionais, sobretudo fados-canção, alguns com belíssimos poemas da autoria do Príncipe dos Poetas. Fica o registo da excelência da guitarra portuguesa de Casimiro Ramos, da viola de Miguel Ramos e da melodiosa voz de Maria da Conceição. Fica na capa do CD a indicação de que, quem adquirir este álbum, irá encontrar a versão original de "Mãe Preta", não censurada, diga-se, versão essa que ganhou popularidade meteórica na voz de Amália Rodrigues, pelas palavras de David Mourão-Ferreira, a que se deu o título de "Barco Negro".

Alinhamento:

Menina Tagarela (Acácio Gomes/ Belo Marques)
Amor Filial (Acácio Gomes/ M. José Figueiredo)
Triste Viuvinha (R. Ferreira/ Artur Fonseca)
Janelas de Namorar (João Linhares Barbosa/ Alfredo Mendes)
Disse-me, Disse-me (Pedro Caetano/ Claudionar)
*Mentira (Dr. Guilherme Pereira/ A. Machado)
Mãe Preta (Piratini/ Caco Velho)
Canção de Sempre (Belo Marques)
Sempre Noivo (João Linhares Barbosa/ Jaime Santos)
Pequena que já Namoras (João Linhares Barbosa/ Jaime Santos)
Luz Dourada (João Linhares Barbosa)
Baião da Saudade (Fernando Jaques)



Mãe Preta

Para ouvir/ver o vídeo "Mãe Preta" criado pela Tia Macheta clique aqui.

Em fóruns de música onde cheguei a participar costumava discutir-se, sempre que saía um álbum, a necessidade generalizada em encontrar aquela música basilar que o marcava indelevelmente e de onde parece que tudo o resto se projectava. Pois, para este Soldado, aquela música que valeu a pena, que marcou as sucessivas audições, que justificou a aquisição, nem que viesse apenas embrulhada em película aderente, foi o fado "Mentira". É esse que aqui apresento:

Maria da Conceição - Mentira




Desenho da autoria de TiMariaBenta

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

ARQUIVOS DO FADO - MARIA ALICE




Maria Alice, “As Primeiras Gravações 1929-1931”, constitui a segunda selecção de fados organizada no âmbito da colecção Arquivos do Fado, que se espera ser longa e próspera, como acredito que esteja a ser no espectro da fadistagem.
Maria Alice foi, em tempos, uma referência na projecção desse fado que registou nas gravações que agora nos são dadas a conhecer. Pela observação de diversas formas de arte ligadas à (por vezes terrível e injusta) condição de ser-se mulher, percebemos que estes fados servem (não só mas também) o propósito de desvelar as tensões desses percursos.
Fados absolutamente intensos, explorando retratos das mulheres que passaram pelas mais atormentadas torturas, por experiências amargurantes e humilhantes a nível psicológico, físico e emocional, deixando a grandeza do seu espírito surgir das cinzas por via dessa imolação. Na voz de Maria Alice tudo isso é Fado. Voz doce, melosa, que arrasta amargura pelas guitarras solenes. Voz que canta o desamor, a paixão não correspondida, a injustiça social, o sacrifício e a morte, um retrato dessa nossa Canção Nacional, essa “Voz de Portugal”, cantada com a dimensão merecida.
O texto introdutório, da autoria de Maria de São José Côrte-Real, define a importância deste trabalho de investigação e recuperação, assim como de conservação daquilo que afinal faz parte do nosso Património. Passo a citar: “A disponibilização do som como fonte primária documental assim beneficia não só o conhecimento em geral, como produz material didáctico de interesse educativo, fundamental para o desenvolvimento da investigação científica em domínios tais como a música tradicional, a literatura oral, a tecnologia de registo e restauro fonográficos, entre outros”. Expressando a minha total concordância, volto a frisar que esta colecção deverá ser entendida também como documento, para além dos firmados créditos como objecto de fruição.
Da selecção de vinte fados, só o último, “A Azenha”, foi gravado em 1931, tendo sido gravados, os restantes, no ano de 1929. Embora, na maior parte dos fados, seja desconhecido quem acompanha à guitarra e à viola, excepto em “Esse Olhar dá-me Tristeza”, Maria de São José Côrte-Real declara existirem indicações de que Carlos da Maia (guitarra) e Abel Negrão (viola) serão os executantes dos dezanove primeiros fados. Foge a esta regra o fado “Tango da Morte”, apresentado na revista “O Ricocó” e acompanhado pela Orquestra de Tango, com letra de Armando Freire, expressando intenso dramatismo.
A apresentação de cada fado segue a mesma estrutura que já havia apresentado no texto Arquivos do Fado – Amália Secreta, ou seja, título, local, data, música, letra, editora, matriz, acompanhamento.

Maria Alice (1904-1997), nome artístico de Glória Mendes Leal de Carvalho nasceu na Figueira da Foz a 1-09-1904 e cantou, pela primeira vez, no retiro Ferro de Engomar, a convite da fadista Maria do Carmo, corria o ano de 1928. Revelou aos demais as qualidades doces e suaves da sua voz.
Com o apoio dos seus contemporâneos, onde se contavam a cantadeira Maria Emília Ferreira e aquele com quem viria a casar-se, o editor Valentim de Carvalho, Maria Alice gravou diversos discos e cantou nos mais variados contextos, nomeadamente no teatro de revista e em esperas de toiros. Seguiu-se, em 1934, uma oportunidade de viajar para o Brasil, onde permaneceu cinco meses e manifestou a consagração do seu talento além fronteiras.

O fado aqui apresentado, “Vida Triste”, é, na opinião deste Soldado, de uma beleza única e significante. Em jeito de homenagem à fadista e a esta colecção:





VIDA TRISTE
(Júlio de Sousa / J.F. Brito)

Vida triste de quem ama
E o coração não resiste
Ao grande amor que o inflama
Sinto o peito querer abrir-se
E o coração contrafeito
Como a tentar evadir-se

Sofrer, penar, levar ao calvário a cruz
Até que se apague a luz
Da derradeira ilusão
Se tudo acaba às mãos do tempo que corre
Porque será que não morre
Esta maldita paixão

Se é pecado olvidar
Eu pequei por ter amado
Alguém que não sabe amar
E um afago nem terei
Que possa servir de pago
A tanto amor que lhe dei


A nossa Fadista já havia homenageado Maria Alice com o belíssimo fado, “Fado Menor”, que podem ouvir aqui.

Fontes:
Sucena, E., Lisboa, o Fado e os Fadistas, Nova Vega e Autor, 2008
Biografia de Maria Alice
Notícia da colecção
Tradisom

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Reedição de 12 fados de Maria da Conceição em formato digital

Boas notícias, com excelente sentido de oportunidade.
Sempre ajudam a esclarecer.
O lançamento ficou a cargo da etiqueta Estoril que, juntamente com outros, dedica-se habilmente a fazer-nos recordar grandes vozes do passado. Veja-se o caso de Berta Cardoso.
Agora, também a maravilhosa voz de Maria da Conceição estará disponibilizada em formato digital, de grande utilidade para a divulgação mais "mainstream" do fado... porque toda a gente sabe que o vinil não é para todos, ora bem. "Mainstream´" é que a voz de Maria da Conceição não é... apenas o formato digital; no entanto, deseja-se fervorosamente que isto ajude a esclarecer algumas mentes, no que respeita à boa arte de designar autorias, recorrendo a factos, preferencialmente, e não à criatividade.
É ponto assente que não existem muitos ouvintes que tenham interesse nesta coisa das autorias. Se ouvem Amália Rodrigues, porque são os fados que estão mais à mão e, fazendo eles todo o sentido na sua voz, não têm tendência para procurar quais foram as primeiras vozes a difundi-los, nem que o tenham sido apenas ("apenas" e, também, "não só") em solo nacional. Nem vozes e nem autores!
No conjunto de 12 fados apresentados nesta reedição, segundo o jornal Sol, constam "Mãe Preta" e o conhecido "Casa Portuguesa", cantados pela voz que lhes deu corpo em primeiro lugar. Outras gravações de 1958 são recuperadas daquele que foi um repertório de "fado tradicional" e "fado com refrão".
O fado "Mãe Preta", da autoria de Caco Velho e Piratini, tornou-se conhecido por "Barco Negro", a mesma música mas com outro poema, da autoria de David Mourão-Ferreira, que se corporizou na profunda voz de Amália Rodrigues, atravessando o Mundo com ele, materializa-se agora na voz de Maria da Conceição (e sem censura...). O fado "Casa portuguesa", da autoria de Reinaldo Ferreira e Artur Fonseca, trouxe-o Maria da Conceição aquando do seu regresso de Angola e marca também presença neste conjunto de 12 fados.
Fados para recordar, cuja voz que os eleva (ou enleva) caiu no esquecimento geral, como o Fado, 'tá visto, que perdeu a abrangência que outrora teve, resumido como está, na memória colectiva, em menos de meia dúzia de nomes. É lá isto a Canção Nacional...

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Espólio do fado comprado por 910 mil euros pelo Estado e Câmara de Lisboa



Jornal Público, 12.08.2009, 21h07


Pode ler-se a última notícia aqui, acerca da saga que rodeia a aquisição da colecção de cerca de 8000 discos do coleccionador Bruce Bastin. Aqui no Soldado do Fado, espera-se ardentemente divulgação, estudos, monografias, divulgação, publicação e mais estudos. Muito trabalho e muita vontade de criar Arquivos preciosos para o nosso património e para a História do país. O Museu do Fado, p.ex. ainda não apresentou uma colecção online e detalhada. Talvez este seja um bom pretexto para fazer bom trabalhinho no âmbito da conservação, certo? E para abrir horizontes...

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Fado candidato à UNESCO em 2010

Jornal Sol, 2a-feira, 10 Agosto 2009




A candidatura do fado à convenção da UNESCO para a salvaguarda do Património Cultural Imaterial «deverá ser apresentada durante o primeiro semestre de 2010», disse hoje à Lusa a gestora do Museu do Fado, Sara Pereira.
«Desde 2005 que estamos a trabalhar na preparação da candidatura, aguardando agora a publicação pelo Governo da portaria que regulamenta a apresentação e formalização do processo. Saída esta portaria apresentaremos a candidatura à UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura)», explicou.
Em declarações à Lusa, a gestora do Museu do Fado afirmou que a partir de Outubro inicia-se um plano editorial que inclui a reedição «de algumas das fontes fundamentais para a história do fado».
Entre essas fontes documentais, Sara Pereira referiu a edição facsimilada de O fado, canção de vencidos de Luís Moita (1937) «e a resposta de Vítor Machado».
Tanto a edição da obra de Luís Moita, como a «resposta» de A. Vítor Machado, Ídolos do fado (1937), terão estudos prévios do musicólogo Rui Vieira Nery.
O fado e os censores de Avelino de Sousa, com estudo prévio do antropólogo Paulo Lima, é outro título facsimilado que sairá em Dezembro, adiantou Sara Pereira.
No plano editorial está ainda prevista a publicação do Catálogo da Discografia de Fado entre 1902 e 1926, um estudo da equipa de investigadores do Instituto de Etnomusicologia da Universidade Nova de Lisboa, coordenada por Salwa el-Shwan Castelo-Branco, com um estudo prévio de Pedro Félix.
Uma selecção das várias entrevistas feitas a «figuras marcantes» da história do fado será editada em Dezembro de 2010.
Estas entrevistas foram iniciadas em 2005 pela equipa coordenada por Salwa Castelo-Branco, e a publicação contará com «notas de apresentação do Conselho Consultivo do Fado».
Este conselho, adstrito ao Museu do Fado, é composto por Julieta Estrela de Castro e Luís de Castro, da Associação Portuguesa dos Amigos do Fado (APAF), Luís Penedo, da Academia do Fado e da Guitarra Portuguesa, pelo guitarrista António Chaínho, os fadistas Carlos do Carmo e Vicente da Câmara, a instrumentista e compositora Luísa Amaro, o estudioso Daniel Gouveia, e o construtor de guitarras Gilberto Grácio.
«O fado no ensaio e na ficção. Antologia das abordagens ao fado por escritores e pensadores relevantes da Cultura portuguesa (1850-1950)», com estudo prévio de Rui Vieira Nery, é outro título previsto.
A linha editorial agendada inclui ainda a edição de fontes musicais facsimiladas de partituras impressas e de transcrições de partituras manuscritas de fado, fontes poéticas, iconográficas e sonoras.
Entre as fontes poéticas incluem-se três antologias, uma delas, inteiramente dedicada aos poemas interpretados por Amália Rodrigues.
Na área da iconografia, conta-se a edição de uma antologia de capas ilustradas de fados, uma selecção e estudo prévio de Sara Pereira.
Quanto a fontes sonoras está prevista a reedição de CD de gravações históricas de 1940 a 1960 «sob a chancela da candidatura».
Além de Sara Pereira, Rui Vieira Nery, Paulo Lima, Salwa Castelo-Branco e os conselheiros do museu, nestas reedições estão também envolvidos a equipa de investigação do Museu do Fado, o músico e historiador Manuel Morais, o estudioso José Manuel Osório, e a Fundação Amália Rodrigues.
Sara Pereira adiantou à Lusa que foram identificados «os espólios relevantes do fado» e estão a ser preparadas bases de dados de temática fadista que serão disponibilizadas na Internet.

Lusa/SOL

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Cá esperamos pela entusiasmante onda de publicações sobre fado e que, pelo menos, sejam fruto de investigações aturadas e fiáveis. "Menos é mais", neste caso e em todo o caso...
Que ganhe o Fado e assim ganharemos todos nós.

sábado, 8 de agosto de 2009

Amália no Mundo - O Mundo de Amália

Com objectivo de divulgar a exposição que ocorre por ocasião dos dez anos da morte de Amália Rodrigues, aqui coloco uma notícia, extraída da revista Time Out Lisboa, 5-11 Agosto 2009, Nº97.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Deus nos livre

"Deus nos livre do amor e da morte"... Foi um diz-que-disse. O meu ex-professor de Filosofia disse que a Natália Correia o disse (ou escreveu), salvo erro.
Não confiando na minha memória para a situação anterior, recordo-me muito bem destes versos, "Mas não há nada mais triste/Que andar-se uma vida à espera /Do dia que nunca chega". Há lá coisa mais triste?! Penso que estes versos escondem muita e profunda filosofia. Assim como esse dizer quase comum, "Deus nos livre do Amor e da Morte", esperar por um dia que nunca chega pode ser apanágio do Amor, porém a Morte sempre chega, já sabemos. Contudo, só alguns percebem que esperar um dia que nunca chega, no Amor, faz desejar esse dia para a Morte. Daí encontrarem-se tão ligados por esse fio de prata que une ambos como reverberações do mesmo. O amor perde-se para a morte e a morte pode acontecer por amor. Que fadinho! Deus me livre!
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Aqui deixo um fado a ilustrar essa tristeza da saudade, que traz o amor, talvez a morte, senão a amargura. "Ando morrendo na vida (...) depois da tua partida". Há sempre espaço para ouvirmos esse "Fadinho a soluçar/[que] Faz de nós afugentar/A ideia da própria morte". "Fim de citação!"

Canta Lucília do Carmo:



VERDADES QUE A NOITE ENCOBRE
(Matos Maia/ Armandinho)

Madrugada sem luar
Onde o meu pobre cantar
É uma estrela escondida
Noites perdidas de fado
Onde canto o meu passado
Onde me sinto perdida

Ando assim em penitência
Recordando a tua ausência
Sofrendo a cada momento
Ando morrendo na vida
Pois a tua imagem querida
É o meu maior tormento

Verdades que a noite encobre
Neste soluço tão pobre
Que finge toda uma vida
Riso, pranto, agonia
Pois é assim o meu dia
Depois da tua partida


Referências:
Despedida (Carlos Conde/Alfredo Duarte)
Maldito Fado (Pedro Bandeira / Raul Ferrão)