segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O Ano do Pensamento Mágico




Resolvi abrir uma excepção à temática deste blogue, para apresentar a peça recentemente estreada no Teatro Nacional D. Maria II, "O Ano do Pensamento Mágico", interpretada por Eunice Muñoz e encenada por Diogo Infante.

Joan Didion, americana, jornalista, nascida em 1934, escreveu o livro The Year of Magical Thinking, um compêndio das suas memórias, versando sobre a morte, a perda e todo o pesado processo que envolveu o lançamento dos seus entes mais queridos, definitivamente, para o mundo dos mortos.

Publicada em 2005, a obra de Joan Didion foi recriada em forma de monólogo, no palco da Broadway e do National Theatre de Londes.

O Palco

É uma travessia no deserto da existência que "vai acontecer-vos", refere Eunice, com certeza, não num tom ameaçador mas de aviso e de inevitabilidade. Um tom que dá o mote e continua a saborear-se nas palavras que só compreendem aqueles que vivenciaram a realidade da perda. Há uma ideia de dor, de perda, de morte, de choque; em contrapartida existe a realidade, o acontecimento, e o choque que transporta todas as suas inquietações. Esta é uma das muitas situações em que a ideia de é absolutamente incompreensível e até ilusória na sua interpretação.

Falar sobre a perda, mesmo a actuar, é fazer esse exorcismo muito pessoal. O exorcismo dos nossos mortos. Creio que existiu na assistência um misto entre entendimento e/ou identificação. Para Eunice Muñoz, foi uma peça ao seu jeito (como chegou a referir), para confrontar-se com as suas dores e com os inúmeros passados que deixaram recordações.

Para mim, mera espectadora, foi um golpe e tanto confrontar-me com dores idênticas às minhas, das quais reconheci de imediato as mesmas perturbações, se não as mesmas, muito idênticas, decerto. A ilusão, o pensamento mágico que nos faz ser mais associativos do que racionais: se eu fizer x... então acontece y. "Se eu não deitar fora os seus sapatos, ele [John] conseguirá regressar a casa". Mostra-se que se "lida com a situação"; faz-se o ritual, faz-se a coisa certa. Trabalha-se no vazio preenchendo-o com subterfúgios de intenção racional.

Lembro-me de uma deixa interessante, da qual aqui resolvo deixar mais uma paráfrase: "cuidado com as manhãs, são a pior altura para a auto-piedade". Manhãs? E as tardes? E o horror das noites? Mas compreendi. Foi expressa essa insustentabilidade perante o adverso. Estar calma, ter dinheiro para a viagem, essa viagem simbólica pelo limbo dos reinos. Estar no controlo da situação, em que nada do que se faz pela saúde de alguém chega, em que o "tudo" não chega. Após o tudo falta mais um pouco, pouco esse onde nos detemos e onde encontramos o abismo.

Cenário e Vida

Em palco estão uma mesa, o livro [da Joan Didion], um copo com água, lenços, uma poltrona, música para intercalar os momentos em que a escuridão nos cobre e em que o cenário, com um intrincado de formas acutilantes, se move e deixa a descoberto, após essa terrífica catarse, um final, que será o final para a vida. Atenção. Não da vida, mas para a vida. Porque a vida tem cá uma força (como um dia me disseram) que por mais amargura, medos, perdas, sofrimentos para a morte, relança sempre no sentido nesse desenlace. Para a vida.
"Amo-te mais do que apenas mais um dia". E um dia alguém dirá "talvez amasse".

Obrigada Eunice. Bravo!

Aqui vos deixo a reportagem que foi publicada na TimeOut Lisboa, 11-17 NOV. 2009, escrita por Bárbara Cruz:



Veja a autora com o seu marido e leia um excerto do livro.

Como Eunice se prepara para o palco, no Jornal I, 16 NOV. 2009, por Vanda Marques.

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