segunda-feira, 27 de julho de 2009

MARIA TERESA DE NORONHA

Aqui apresenta-se a voz de Maria Teresa do Carmo de Noronha Guimarães Serôdio (1918-1993), cantando três fados, escolhidos a meu gosto, de entre um repertório riquíssimo, onde se destaca o fado Rosa Enjeitada, Fado das Horas, Alexandrino, Fado Anadia, entre outros. A voz de Maria Teresa de Noronha pode considerar-se inevitavelmente cativante, despertando paixões e reunindo consenso por parte de uma crítica que reconheceu o seu talento.
Voz soprano, cuja característica maior será o excelente alcance que atinge quando canta as notas agudas, perdendo a força quando a voz escoa pelas tonalidades mais graves, edificando uma escala dotada de intrínseco dramatismo. Esse dramatismo soube ela construir pela escolha do seu repertório (musical e lírico, constituído maioritariamente por poemas sobre amor/tristeza/saudade); pela modelação da sua voz, na utilização exímia dos pianinhos, que definem uma das suas principais qualidades enquanto fadista, assim como das ornamentações musicais, enquadradas e condizentes com a sua particular arte de expressar o fado.
Maria Teresa de Noronha não foi mulher do povo ou cantadeira das vielas de Alfama. Tal entende-se pela nobreza da sua voz, que parece contar a sua própria história. Mulher de linhagem aristocrática, foi filha de D. António Maria de Sales do Carmo de Noronha e de D. Maria Carlota Appleton de Noronha Cordeiro Feio. Casou com o 3º conde de Sabrosa, de sua graça José António Barbosa de Guimarães Serôdio, também ele rendido ao fado como guitarrista amador de profunda sensibilidade artística, e privou com os demais fadistas nos conceituados retiros de Lisboa.


Alfredo Marceneiro, Lucília do Carmo, Maria Teresa de Noronha e José António Barbosa de Guimarães Serôdio n'O Faia.


Pessoa de fino trato, Maria Teresa de Noronha foi, segundo testemunham, uma mulher de grande coração, porém não muito calorosa. Visualize-se o oposto de Hermínia Silva, no que a ser calorosa diz respeito! Tem piada como o fado congrega os mais variados tipos sociais.
Maria Teresa de Noronha foi, e continua a ser, uma referência fortíssima (senão paradigmática) do chamado Fado Aristocrático, mesmo quando aristocrática era apenas ela, bem como os outros fadistas de nobre linhagem que abraçaram a Canção Nacional. O fado que cantou foi, pois, do povo e bem castiço, tanto que não era necessário, ou lógico, banhar-se em sangue azul, em termos estilísticos e musicais, para acontecer a uma bela voz que tão bem o soube cantar!


- Desengano, a cantar o amor e desamor, cheia de graciosidade.



DESENGANO
(Mário Pissarra /José Marques)

E adorei-te, acreditei
No bem que eu ambicionei
Dum amor sinceridade
As tuas promessas puras
E o calor das duas juras
Tinham a luz da verdade

Mas um dia te esqueceste
De tudo o que me disseste
Em confissões tão ardentes
Iludiste duas vidas
Com mil palavras fingidas
Que não sentiste nem sentes

Ao contemplar o passado
Como um golpe já fechado
Que ainda sinto doer
Vejo em teus falsos carinhos
Que as rosas têm espinhos
E também fazem sofrer.


- Na sua peculiar interpretação do Fado Hilário, destacam-se as potencialidades operáticas da sua voz.



FADO HILÁRIO
(Augusto Hilário)

Para cantar procurei
As minhas mágoas sem fim
Eram tantas que acabei
Por chorar com dó de mim

Passarinho, mesmo preso
És mais livre do que eu
Tu vives num cativeiro
E eu na dor que Deus me deu

Já não posso mais sofrer
Com tão amarga saudade
Dai-me a esmola de o esquecer
Minha mãe, por caridade


- De temática saudosista, o seguinte fado demonstra a expressividade e sensibilidade no domínio da expressão e da palavra.



FADO DA IDANHA
(Ricardo Borges de Sousa)

Quem me dera que voltasse
O doce tempo de além
Sentada junto à lareira
A ouvir cantar minha mãe

Ó tempo, tempo ditoso
Da vida eterno sorriso
Que terras em paraíso
Um mundo tão enganoso
Quanto à minha mãe, choroso
Lhe pôs um beijo na face
Lhe pedia que cantasse
Uma trova de bonança
E esse tempo de criança
Quem me dera que voltasse

Tempos que não voltam mais
Da nossa infância ridente
Em que eu vivia contente
Correndo atrás dos pardais
Das paredes dos casais
Que a nossa aldeia contém
Branquinhas como a cecem
Mudas como a gratidão
E recordam com paixão
O doce tempo de além


Fontes:
Sucena, E., Lisboa, o Fado e os Fadistas, Nova Vega e Autor, 2008
N'O Faia
Wiki PT
Wiki EN
Lisboa no Guiness
Fadistas Como Eu Sou

5 comentários:

  1. Na minha modesta opinião, uma bela escolha de três fados paradigmáticos de um repertório de excelência, como é o de Mª Teresa de Noronha, servido por uma voz tão pura quanto "almada".
    Obrigada, Comadre MariBenta, por assim no-la recordar.

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  2. Eu é que agradeço a atenção e o comentário! É muito difícil ficar indiferente a esta voz com um timbre tão peculiar, que irradia doçura... e Fado!

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  3. O Fado Fado, seja aristocrático ou não, é só um.
    O povo ouvia-a como de se de uma qualquer varina se tratasse, tal o sentimento e a raça colocados na interpretação.

    Amália, M.T.Noronha, Lucília, Hermínia, Berta, Fernanda Maria, Beatriz...

    Fado.

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  4. Esta senhora ficou quase no anonimato, ninguém lhe presta homenagens como à Amália, foi esquecida pela história, apagada pelo tempo, o que é uma grande ingratidão, (não que não goste da Amália)...a sua voz e partituras tornaram único o fado aristocrático, sempre que a ouço sinto o fado de outra maneira. Ainda tinha a esperança que a Carminho ou outra fadista da actualidade lhe seguisse os passos como natural herdeira desta corrente fadista...vou continuar a aguardar...dá-lhe com força Carminho e dedica uma parte do teu reportório a esta grande senhora...
    Ah!!! Parabéns pelo post...obrigado pela homenagem...

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  5. A doçura, finura, delicadeza, espírito, postura, força e candura da voz de Mª Teresa de Noronha dificilmente será igualada, (calhando, só mesmo fruída) por ninguém, aristocrata, plebeu ou burguês, pelo menos por enquanto. É apenas a minha opinião.
    A Carminho, também na minha opinião, está bem longe deste registo, mesmo cantando alguns fados do seu repertório.
    Obrigada pela sua visita, Gastão.

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