sábado, 27 de junho de 2009

Quero ouvir os louvores do Fado...

Sempre gostei daqueles fados-tributo que carregam o nome de um artista, ou de vários, como é o caso da “Evocação” de Fernando Farinha. São fados que dedicam um poema ao respectivo fadista que o vai cantar, que constituem o elogio ao próprio, descrevendo e contando um pouco da sua história. Por um lado, afiguram-se excepcionais no que diz respeito ao reconhecimento; por outro, estruturam-se músicas e letras feitas “à medida” de quem as canta. Apresento aqui três fados-tributo, ou três tributos do Fado àqueles que contribuíram com as suas carreiras para a definição dos valores paradigmáticos desta arte. Três fados que adoro, tão diferentes entre si, que transmitem um pouco do Ser destes artistas. Sabemos que não podiam ter sido criados para mais ninguém.




AMÁLIA
(José Galhardo/Frederico Valério)

Amália
Quis Deus que fosse o meu nome
Amália
Acho-lhe um jeito engraçado
Bem nosso e popular
Quando ouço alguém gritar
Amália
Canta-me o fado!

Amália
Esta palavra ensinou-me
Amália
Tu tens na vida que amar
São ordens do Senhor
Amália sem amor
Não liga, tens de gostar
E como até morrer
Amar é padecer
Amália chora a cantar!

Amália
Disse-me alguém com ternura
Amália
Da mais bonita maneira
E eu toda coração
Julguei ouvir então
Amália p’la vez primeira

Amália
Andas agora à procura
Amália
Daquele amor mas sem fé
Alguém já mo tirou
Alguém o encontrou
Na rua com a outra ao pé
E a quem lhe fala em mim
Já só responde assim
Amália? Não sei quem é!




FADO HERMÍNIA
(José Galhardo/A. Barbosa)

Ó tu, que és feia e bairrista
Prezas pela tua vez
E canta o fado, ó fadista
Que o fado é que é português

O Zeca vai à revista
Não se cansa o rafiné
Canta ao vivo com uma guitarra ao pé
Sem ser a presumir ao Chevalier

Hermínia, ele ama o teu fado mavioso
Que é como a flor da glicínia
Que deixa um perfume saudoso
Hermínia, volta a cantar o fado
Que a cidade tem saudade
Da Tendida e do Soldado

Se queres armar em vedete
Eu cá por mim, faz-se bem
Mas só quando a Miss Arlete
Cantar o fado também
Estás a ver a Janete
A correr de Verão
Também tu, estás a pedir então
Um pontapé no blue que é que nem pão

Hermínia, ele ama o teu fado mavioso
Que é como a flor da glicínia
Que deixa um perfume...
Hermínia, volta a cantar o fado
Que a cidade tem saudade
Da Tendinha e do Soldado




O MARCENEIRO
(Armando Neves/Alfredo Marceneiro)

Com lídima expressão e voz sentida
Hei-de cumprir no Mundo a minha sorte
Alfredo Marceneiro toda a vida
Para cantar o fado até à morte.

Orgulho-me de ser em toda a parte
Português e fadista verdadeiro,
Eu que me chamo Alfredo, mas Duarte
Sou para toda a gente o Marceneiro.

Este apelido em mim, que pouco valho,
Da minha honestidade é forte indício.
Sou Marceneiro, sim, porque trabalho,
Marceneiro no fado e no ofício.

Ao fado consagrei a vida inteira
E há muito, por direito de conquista.
Sou fadista, mas à minha maneira,
Há maneira melhor de ser fadista?

E se alguém duvidar crave uma espada
Sem dó numa guitarra para crer,
A alma da guitarra mutilada
Dentro da minha alma há-de gemer.

6 comentários:

  1. Já agora, se me dá licença, lembro outro que, como o "Evocação", do Fernando Farinha, foi também editado em vídeo pelo FADOCRAVO - "Recordações do Passado", pelo Rodrigo.
    http://fadocravo.blogspot.com/search?q=rodrigo

    Também acho estes fados muito interessantes, nomeadamente no que carregam de reconhecimento pelos que, antes, fizeram/abriram caminho/s e nisso se distinguiram.

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  2. Que belo fado!"Recordações do passado" que arrepiam a quem ouve esses nomes basilares. Não conhecia, muito obrigada.

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  3. Entre estes 3 fados e os 2 que editei (Evocação e Recordações do Passado) há, qtº a mim, uma enorme diferença; enqtº que estes 3 se referem exclusivamente à/ao fadista intérprete, os outros referem-se a vários consagrados cantadores / cantadeiras que fazem parte já da História do Fado, à qual o intérprete deseja igualmente vir a pertencer... por isso, para mim, à categoria de "fados-tributo" só aqueles dois pertenceriam; os outros pertencerão aos "fados-apresentação", por ex., que é uma das suas funções- apresentar o/a fadista; a Berta Cardoso também tem um - "Fado Berta".
    Mas, o que me fez aqui voltar não era tão pouco manifestar esta pequena discordância... quem sou eu para o fazer? O que eu queria mesmo era saber se não via inconveniente em editar o Fado Hermínia no seu canal youtube para eu o poder "favoritar"? Obrigada
    OP

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  4. Cara Fadista,
    Em parte aceito a sua discordância e a distinção que propôs. Tenho mais dificuldade em assumir a ideia de "fado-apresentação", pois existem apresentações que não são tributos. Estes fados, quer sejam cantados na primeira ou na terceira pessoa (como no caso do Fado Hermínia), são tributos dos poetas aos fadistas. São apresentações com qualidades de louvor. No que respeita aos fados editados por si, têm totalmente qualidades de Tributo (colectivo), sem dar lugar a dúvidas.
    No YouTube já lá está o que deseja.
    Até breve!

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  5. Cara Ti Maria Benta:

    Muito interessante este post sobre os fados-tributo. Eu estou muito interessado na qualidade auto-referencial que o fado tem, é dizer, nos fados que falam sobre fadistas e sobre o fado como expressão cultural e a sua tradição.

    Acho muito interessante também a conversa que você está a ter com a amiga Ofélia sobre a diferença entre o fado-tributo e o fado-apresentação, e se me permitem, gostaria de dar a minha opinião sobre o assunto. Na minha opinião, há vários tipos de fados auto-referenciais:

    (1) Os que falam do que quer dizer o fado, do seu significado. Estes são fados como "Tudo Isto É Fado", cuja letra fala do que o fado é. Alguns destes fados ligam a expressão musical com o jeito de vida da fadistagem, e normalmente têm uma concepção muito romântica do que o fado é. Falam do fado sempre através de metáforas, às vezes muito poéticas. Alguns deles, como "O Fado Mora em Lisboa", mesmo apresentam o fado quase como uma pessoa. Neste aspecto o fado partilha uma característica muito típica do blues ou o country, que também são muito auto-referenciais.

    (2) Os que falam da história e tradição do fado (a Severa, os grandes fadistas e as grandes cantadeiras, etc.). Estes são fados como "Evocação", "Recordações do Passado" ou mesmo "Belos Tempos" do Fernando Farinha, e tudos eles reconhecem a longa tradição que tem o fado e celebram os artistas mais representativos do género. Este é outro aspecto em que o fado é muito semelhante ao country.

    (3) Os que servem como apresentação de algum fadista, como por exemplo "O Marceneiro", o "Fado Hermínia" ou "A Minha Apresentação", do Farinha, que é um dos meus favoritos entre os fados deste tipo. Eu acho que aqui temos uma situação quase de ventriloquismo, já que o fadista se apresenta através dos versos escritos sobre si por algum poeta, não por si mesmo. Então é uma auto-apresentação do fadista mas através das palavras que outra pessoa escreveu para ele. Eu acho isto muito interessante.

    Esta é só a minha opinião sobre o assunto. O que acham vocês? Concordam? Peço desculpas por ter escrito um comentário tão longo, mas quando começo a falar de fado não sei parar... :-)

    Um abraço fadista dos Estados Unidos,

    Antón.

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  6. Antón, gostei muito da tipificação clara e concisa que efectuou acerca da auto-referencialidade do fado. Notei que existe mais dificuldade ao qualificar o "fado-apresentação", por ser algo escrito por outrém e dirigido ao fadista. É um tributo efectuado por quem frui e considera o fadista ou a cantadeira alvo da sua arte. Quem frui, neste caso, é também quem escreve, é também o artista.
    Gostei da comparação que efectuou com a música country, da qual eu não conhecia essa característica. Tenho conhecimento que também a música metal é muito auto-referencial. Existem autênticos tributos escritos às bandas dos anos 70/80, que firmaram o estilo tradicional do heavy metal, por exemplo. A música hard rock também apresenta algumas dessas qualidades.
    Muito obrigada pelo seu excelente comentário!

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