quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Deus nos livre

"Deus nos livre do amor e da morte"... Foi um diz-que-disse. O meu ex-professor de Filosofia disse que a Natália Correia o disse (ou escreveu), salvo erro.
Não confiando na minha memória para a situação anterior, recordo-me muito bem destes versos, "Mas não há nada mais triste/Que andar-se uma vida à espera /Do dia que nunca chega". Há lá coisa mais triste?! Penso que estes versos escondem muita e profunda filosofia. Assim como esse dizer quase comum, "Deus nos livre do Amor e da Morte", esperar por um dia que nunca chega pode ser apanágio do Amor, porém a Morte sempre chega, já sabemos. Contudo, só alguns percebem que esperar um dia que nunca chega, no Amor, faz desejar esse dia para a Morte. Daí encontrarem-se tão ligados por esse fio de prata que une ambos como reverberações do mesmo. O amor perde-se para a morte e a morte pode acontecer por amor. Que fadinho! Deus me livre!
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Aqui deixo um fado a ilustrar essa tristeza da saudade, que traz o amor, talvez a morte, senão a amargura. "Ando morrendo na vida (...) depois da tua partida". Há sempre espaço para ouvirmos esse "Fadinho a soluçar/[que] Faz de nós afugentar/A ideia da própria morte". "Fim de citação!"

Canta Lucília do Carmo:



VERDADES QUE A NOITE ENCOBRE
(Matos Maia/ Armandinho)

Madrugada sem luar
Onde o meu pobre cantar
É uma estrela escondida
Noites perdidas de fado
Onde canto o meu passado
Onde me sinto perdida

Ando assim em penitência
Recordando a tua ausência
Sofrendo a cada momento
Ando morrendo na vida
Pois a tua imagem querida
É o meu maior tormento

Verdades que a noite encobre
Neste soluço tão pobre
Que finge toda uma vida
Riso, pranto, agonia
Pois é assim o meu dia
Depois da tua partida


Referências:
Despedida (Carlos Conde/Alfredo Duarte)
Maldito Fado (Pedro Bandeira / Raul Ferrão)

3 comentários:

  1. "Deus nos livre do Amor" que, da Morte, nem Deus pode livrar-nos!... De alguns Amores e Paixões também não, nem Deus!; apenas a Morte que, neste caso, será mais poderosa. Em todos os Amores, a Morte impera. Morre-se porque se é correspondido "Quero morrer em teus braços!" e morre-se porque se não é "Morro de Amor por ti". A Morte parece perseguir o Amor, a Paixão, e mesmo identificar-se com eles... É isso -que é o Amor além de Morte, o despojamento total do Eu, a consumação/consumição da alteridade?
    Pura contradição, o Amor, riso e pranto, "fogo que arde sem se ver"; penitência, tormento desejado... "Tão contrário a si é o mesmo Amor"!

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  2. Uno de mis fados preferidos y una de mis cantadeiras favoritas. Obrigado.

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  3. Fadista, agradeço o EXCELENTE comentário! Vê-se (ou parece-me) que é uma entendida no assunto.

    Fernando, muito obrigada por continuar a visitar este blogue e que os fados que aqui coloco o encantem. Espero que goste dos próximos.
    A voz da Lucília do Carmo é, sem dúvida, dotada de um timbre bem fadista e caloroso. É um prazer ouvi-la!

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