quinta-feira, 8 de outubro de 2009

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Artigo de opinião publicado no Jornal I.
Passo a citar:

A Rosa (e os Enjeitados)
por António Pires, Publicado em 08 de Outubro de 2009

O António Variações cantava, em "Todos Temos Amália na Voz": "Dei o teu nome à minha terra/Dei o teu nome à minha arte/A tua vida é primavera/A tua voz é eternidade", antes de, no refrão, dizer "Todos nós temos Amália na voz". E Variações, nesta canção composta muitos anos antes da morte de Amália Rodrigues - ele, aliás, viria a morrer muito mais cedo que a sua musa -, resumiu na perfeição o amor, o respeito e a admiração que milhões de portugueses sentiram e sentem pelo ícone maior do fado de Lisboa.

Não são de mais, portanto, as inúmeras iniciativas que nesta e nas últimas semanas homenagearam a memória de Amália.

A edição em CD de temas inéditos dos primeiros tempos da cantora; extensas colecções de discos; concertos de tributo (de gente do fado e de fora dele); conferências; exposições; o filme "Amália" a passar na RTP... Tudo isso é mais que justo, e se calhar ainda é pouco. Mas não deixa de ser triste - como o fado - pensar que homenagear Amália é importante, mas que igualmente importante seria homenagear muitos outros. Há dois anos passaram 25 anos sobre a morte de Alfredo Marceneiro. O ano passado, 20 sobre o falecimento de Francisco José. Alguém os recordou? Neste mesmo ano de 2009 passam dez anos, tal como com Amália, sobre o desaparecimento de Lucília do Carmo. Onde estão as comemorações? Max morreu em Maio de 1980. Alguém sabe de alguma coisa que esteja a ser feita para a celebração dos 30 anos da sua morte, daqui por alguns meses?


Opinião que vem corroborar aquilo em que tenho martelado ultimamente. Felizmente, também nos jornais, surgem opiniões favoráveis à diversidade nas homenagens aos artistas da nossa cultura, neste caso do Fado, que bem merecem.

Todavia, existem por aí questões que se abrem sobre se seria válido, nos dias de hoje, homenagear um/uma fadista, ou seja, se teria adesão por parte do público para realizar a série de eventos como a que temos vindo a assistir. Apesar de me ter parecido absurdo, de início, a mera colocação desta questão, procurei distanciar-me e pensar no quão plausível poderá ser...! Apurou-se que a Amália ainda seria apreciada neste tempo, mas a Lucília do Carmo..? Ou então imaginem lá a Berta Cardoso, com um cartaz à Andy Warhol espalhado por Lisboa, anunciando uma série de eventos que reunissem vários media. Muita "sorte" teve a Hermínia Silva em ter sido recordada pelos programas da manhã, nos diferentes canais de TV, por ocasião do centenário do seu nascimento e de ter sido homenageada na RTP1. Nada que tivesse a ver com os eventos e estudos organizados em torno de Amália.

No entanto, não posso deixar de acusar quem organiza estes eventos e orienta, de certa forma, os interesses do público, para algo que, em vez de ser sempre um mesmo dado adquirido (como a Amália ainda é no mercado), pudesse proceder-se, também, a uma recuperação (de outros fadistas), colocada em evidência no nosso tempo e aproveitada pela sua novidade.

3 comentários:

  1. Embora tenha toda a razão no que diz, não acredito que se consiga orientar o público (em massa) para outro/a fadista. Repare que nem com um sketch giríssimo de "Os Contemporâneos" o Max começou a ter procura. Ainda está mais na moda a Amália do que o fado. A Amália tornou-se muito mais que uma fadista e/ou cançonetista. Tornou-se um ícone. Se perguntar às pessoas, até numa faixa etária dos 30 e tais, se conhecem a Amália dizem que sim. Depois peça para dizerem um fado dela que gostem. Agora dirão qualquer canção cantada pelos Amália Hoje mas pergunte-lhes a seguir se foram ouvir o original e qual preferem. Vai constatar que a "sondagem" não será favorável ao fado. Agora pergunte-lhes se conhecem a Berta ou a Lucília. Berta who? A Lucy?

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  2. Acho esta discussão muito interessante. Na minha opinião, uma grande parte do público diz gostar de fado mas desconhece por completo a rica história do género e limita-se a apreciar a Amália ou os novos fadistas, muitos dos quais são interessantes mas não são os únicos representantes do fado como género. Então eu pergunto-me: se alguém realmente gosta da Amália, não teria sentido pensar que essa pessoa poderia também gostar da Berta ou da Lucília ou da Hermínia se tiver a oportunidade de conhecer a sua música? Porque a música destas outras cantadeiras, como a da Amália, é uma música duma grande qualidade que faz parte dum género comum. Qual é o problema, então? Aliás, eu julgo que o problema pode ser a falta de iniciativas bem planejadas pelas instituições para divulgar o fado dum jeito sério: se dermos o público a ocasião de ter acesso a gravações, exposições, concertos, etc. que apresentem a rica história e tradição do fado, talvez mais gente começaria a conhecer outros intérpretes diferentes da Amália, quem, sem dúvida, é um ícone do fado, mas não deveria ser ou único. Talvez seja eu um pouco idealista, mas essa é minha opinião sincera.

    Um abraço desde Memphis,

    Antón García-Fernández.

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  3. Pois é Seele! A Lucy já não é o que era. Há fado que não condiz com a contemporaneidade, a não ser como adorno kitsch. Mas digo-lhe que, à semelhança do que o Antón tão bem opinou, poderão existir muitas pessoas a gostar da Amália e que sejam potenciais apreciadores da Bertha ou da Lucy, mas que não chegarão a conhecê-las por falta de divulgação. Depois há que reparar que aquilo que se divulga, de forma directa, do repertório da Amália, não são os fados tradicionais, mas sim os fados que, na época, foram novidade e que, hoje, continuam a ser uma referência. O fado tradicional está caduco, datado, fora de moda, por mais que custe admiti-lo. O que eu sei é que isso jamais lhe custará a beleza.

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