Li um
tópico sobre o fado tradicional, no Portal do Fado, e deu-me a súbita vontade de escrever um verbete sobre o assunto, que este blogue vive muito dessa deliciosa espontaneidade. Não é que já não tenha tratado a situação noutros "posts", mesmo em comentários, neste e noutros blogues, mas sinto necessidade de discorrer (a bem escorrer!) um pouco mais sobre o fado tradicional, o genuíno, aquele que, na minha opinião e gosto pessoal é O Tal.
Só queria dizer que aquilo que acontece com o Fado é o mesmo que acontece com outras formas de arte, em especial, de música. Existem as origens do estilo, seja ele qual for (e o do Fado, que belo e lendário é...), a sua consumação, e todas as variantes e recriações que possam fazer-se ao longo dos tempos. Se um estilo não for apelativo e apaixonante o suficiente para ser recriado pelos seus amantes (que muitas vezes são confundidos com os seus detractores; a bem ou a mal, quem ama também destrói), então provavelmente não assistiríamos a uma projecção e constante actualização no Tempo. É assim que surge uma Amália em peso, neste ano de 2009, com vários acontecimentos artísticos que se julgariam insólitos no Fado, como por exemplo a criação de uma Banda Desenhada! É assim que vai surgindo um renovado interesse na Obra deste Fado. Mas, coisa interessante de se notar, é que esses novos amantes da Canção Nacional (utilizo esta designação mais por amor do que por sentido nos dias que correm) não me parece que tenham muito interesse em ir jantar ao Faia, ou ao Mesa de Frades, ou ao Luso, assim de repente, para "curtir" essa nova onda, com muita Portugalidade e muita actualidade. Parece-me mais que apostarão num rali pelos concertos dos Hoje, dos Deolinda, dos Oquestrada, entre outros, a saber, Ana Moura, Mariza, e afins.
Portanto, actualizações de importâncias e preponderâncias na Arte existem sempre. Não se espere é que também não existam actualizações nas atitudes, nos gostos, nas vontades e naquilo que se faz com essa Arte. E quem fica para trás tem de aceitar a condição a que o seu gosto e vontade se propõe. Aqui este soldado, por ser soldado, fosse ele de qualquer outra patente dentro desta militância, sempre apreciou o lado purista de qualquer género. Porém há que entender que existam aqueles que prefiram estar na vanguarda.
Não confundir tudo isto, que ao desvirtuamento da boa arte da fadistagem diz respeito, com a falta de informação e divulgação de fados, fadistas, compositores, acompanhantes, com os factos históricos pouco precisos e obscuros, com as autorias trocadas... É que o Fado, assim como a cidade de Lisboa, é também um palimpsesto. No fundo, é isso que lhe dá encanto, ou seja, essa despreocupação de registo. Bem notou o Marceneiro (o Alfredo), que tinha sessões (as chamadas "jam sessions" de agora) de improvisação com o Armandinho, que muito se perdeu, para além do que se ganhou com essa parceria, pois não existiam as actuais possibilidades de gravação dessas experiências. Agora as pessoas gravam tudo, registam, posterizam, personalizam, mas também efemerizam e mostram o lado perene, sustido apenas pelas breves recordações de alguns. Muitas vezes intencionalmente. É assim que surgem objectos e gravações de culto (e lá estou eu a "bater" no mesmo), que se tornam autênticos objectos de coleccionador apenas conhecidos por quem nutre um interesse que persegue com minúcia. Mas não é por acaso que chamo a atenção para aquilo que é "culto" fabricado e "culto" como raridade
strictu sensu.
Para finalizar, o fado tradicional ou histórico, hoje, não perdeu as suas qualidades. Perdeu o interesse do público. É na recepção que está o "problema" e não na mera existência de um fado lavado e desvirtuado. Como o 'bosco' (o autor do tópico a que fiz referência) fez notar, e muito bem, as pessoas sabem ver a diferença e tudo assenta na escolha do que engolem. Talvez, quando a moda do fado a que actualmente assistimos, virar o disco, mas não tocar o mesmo, possa começar a surgir interesse noutro espectro de fadistas, os históricos e essenciais.
Como ilustração nada melhor do que ouvir este fado que veio tão a propósito.
Hermínia Silva - Fado Pirim-Pirim (Aníbal Nazaré / Frederico Valério)