Tenho andado a ouvir alguns fados e canções interpretados por Tristão da Silva. Apesar do meu ouvido pender notoriamente para vozes femininas, tenho vindo a compreender as delícias do masculino no Fado, bem associadas à força e romantismo. No caso deste fadista ou cançonetista em especial, existe uma centralidade romântica, que o coloca ao nível de um dos melhores cantores portugueses, pelo seu timbre quente, voz extremamente bem colocada (um ouvido treinado apercebe-se quando o fenómeno ocorre) e emoção no cantar, contido mas suficientemente liberto por uma irrepreensível dicção.
Manuel Augusto Martins Tristão da Silva, alfacinha de gema, nasceu na freguesia da Penha de França. Em 1937, com 10 anos de idade, foi convidado pelo empresário José Miguel, para cantar no Café Mondego. Era conhecido como o “miúdo do Alto do Pina”, assim como aconteceu com outros fadistas da época, devido ao popular concurso de fados. Para além das cantigas, enveredou pela profissão de marçano e depois marceneiro.
Ao longo da sua carreira como fadista, orientou o seu repertório em torno do fado-canção, acompanhado por orquestra e não pelas tradicionais guitarras. O exemplo que aqui coloco corresponde a uma das várias excepções à vertente orquestrada, que igualmente aprecio.
Sucederam-se as tentativas goradas para admissão à Emissora Nacional. Após o tremendo sucesso que foram os êxitos “Nem às Paredes Confesso” e “Maria Morena”, as provas de admissão abriram portas ao mundo da rádio, pautando assim a notável projecção da sua carreira musical. Foi o segundo artista português a actuar num programa da RTP. À semelhança dos fadistas coevos actuou fora de Portugal, em países como Espanha, Argentina, Uruguai, Peru. Chegou a radicar-se no Brasil, onde abriu um restaurante típico (tradicional português).
Em 1964 regressou a Portugal e retomou as suas actuações nos templos do Fado. Integrou o elenco da revista "Férias em Lisboa"; segundo consta era um exímio executante de bilhar, sofria de gaguez, mas quem canta assim…
Faleceu prematuramente num acidente de automóvel, em 1978. Será para sempre recordado como um dos fadistas de pendor romântico que Lisboa conheceu e abraçou.
A escolha do fado para recordar Tristão da Silva não foi fácil, mas como este Soldado não é um concurso de hits, futuramente colocarei outros. Desde já deixo-vos com “Lisboa é Sempre Lisboa”, um lindo fado sobre a nossa cidade e que se distingue da restante oferta online, que necessita de variedade, para este e para outros fadistas.
Tristão da Silva canta Lisboa é sempre Lisboa (Artur Ribeiro / Nóbrega e Sousa)
Lisboa tem o ar feliz de uma varina
E o vai e vem de uma canção em cada esquina
Pelos mercados fresca e gaiata
Faz zaragata, perde a tonta cabecita
Aqui e ali namora e ri e sem vaidade
Veste de chita, canta o Fado e tem saudade
Lisboa é sempre Lisboa
Dos becos e das vielas
E das casinhas singelas
D’Alfama e da Madragoa
Dos namorados nas janelas
Das marchas que o Povo entoa
Da velha Sé, das procissões
E da Fé, com seu pregões
Lisboa é sempre Lisboa
Pela Manhã vai trabalhar toda garrida
De tarde ao chá Lisboa ri cheia de vida
Mas à noitinha olhos rasgados
Semicerrados na oração mais bizarra
Lisboa então só coração d’alma elevada
Presa à guitarra canta até de madrugada
Lisboa é sempre Lisboa
Dos becos e das vielas
E das casinhas singelas
D’Alfama e da Madragoa
Dos namorados nas janelas
Das marchas que o Povo entoa
Da velha Sé, das procissões
E da Fé, com seu pregões
Lisboa é sempre Lisboa
Fontes online:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Trist%C3%A3o_da_Silva
http://elfado.x-centrico.com/?cat=24
http://lisboanoguiness.blogs.sapo.pt/57691.html
http://ofadodelisboa.blogspot.com/2007/02/o-mido-do-alto-do-pina.html
http://www.portaldofado.net/content/view/1461/277/
http://fonoteca.cm-lisboa.pt/cgi-bin/info3.pl?409&CD&0